Como lidar com os pacientes “professores de Deus”?

Auxiliados pelo “Dr. Google”, esses pacientes já chegam ao consultório com diagnóstico feito por eles mesmos. Marco Bianchini mostra como o profissional deve agir.

Um dos maiores desafios que o cirurgião-dentista clínico enfrenta, independentemente da área específica que atua, é atender pacientes com um perfil complicado, que acreditam ser mais especialistas do que nós, os cirurgiões-dentistas. São aqueles que, mesmo ouvindo todas as nossas explicações técnicas, na maioria das vezes baseadas em publicações científicas ou observações clínicas, não se sentem convencidos em realizar o tratamento e preferem acreditar neles mesmos. Eu costumo brincar com a minha secretária que esses pacientes são os “professores de Deus.”

Quem trabalha rotineiramente em clínicas particulares entende bem o que eu estou falando. Vale lembrar que não estamos abordando o aspecto financeiro dos tratamentos. O que me refiro aqui diz respeito apenas ao aspecto técnico do atendimento. São aqueles pacientes que insistem em discutir com o profissional a realização do tratamento, em situações que para nós são bastante evidentes e não há dúvidas quanto a indicação. Para facilitar o entendimento do leitor, vou exemplificar na figura 1 um caso com uma imagem radiográfica clássica de indicação de exodontia de terceiro molar.

Figura 1 – Radiografia periapical dos elementos 36 a 38 em um paciente com 37 anos, demonstrando o elemento 38 semi-incluso e impactado.


Ao realizar o exame clínico, eu constatei um forte acúmulo de biofilme junto a lingual do 38, provocando uma gengivite forte, que se estendia para o dente 37. Observei também a proximidade patológica do 38 com a distal do 37, aumentando o risco de reabsorção óssea nesta região. O meu diagnóstico (e não poderia ser outro) foi o da indicação de exodontia do 38.

Como sempre faço, em qualquer situação de planejamento, mostrei a imagem clínica real na boca do paciente, através do uso de espelhos. Mostrei também a imagem radiográfica no computador e expliquei, detalhadamente, as razões pelas quais eu “condenei” o 38 a exodontia.

Infelizmente, as minhas explicações (e olha que eu falo bastante) e as imagens não foram suficientes para convencer o paciente a realizar o tratamento. Assim como já me ocorreu em outras situações, o paciente tentou argumentar comigo, no quesito técnico, que não concordava com a exodontia.  Como sempre faço nessas situações, eu não levei a discussão adiante, afinal, é impossível se discutir com um “professor de Deus”. Mantive o meu posicionamento firme e alertei das consequências que viriam em um médio prazo.

A decisão compartilhada dos tratamentos com os pacientes é uma obrigação a ser tomada por nós, cirurgiões-dentistas. Muitos casos são realmente difíceis de definir o tratamento, e o paciente precisa se posicionar para nos ajudar no planejamento. Entretanto, existem situações que são bastante clássicas e não há como compartilhar o planejamento: ou o paciente faz o tratamento que estamos propondo ou vai arcar com as consequências de não tratar. Simples assim!

Nos dias atuais, o “Dr. Google” tem nos atrapalhado bastante. Muitos pacientes já chegam em nossas cadeiras com o diagnóstico feito por eles mesmos, baseados em informações das redes sociais. Cabe a nós, cirurgiões-dentistas, nos mantermos firmes em nossas posições, para evitar problemas futuros. A maioria destes pacientes “professores de Deus” acabam voltando tempos depois, com a situação agravada, exatamente como havíamos previsto. Convencidos pela dor, eles agora concordam conosco e possibilitam que possamos fazer aquilo para que fomos treinados: promover saúde.

“Mas o que lhes ordenei foi isto: “Deem ouvidos à minha voz, e eu serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo. Andem em todo o caminho que eu lhes ordeno, para que tudo lhes vá bem. Mas eles não quiseram ouvir, nem atenderam, porém andaram nos seus próprios conselhos e na dureza do seu coração maligno; andaram para trás e não para a frente.” (Jeremias 7:23,24)

Translate »