Data de publicação: 21/08/2020
Esta é uma questão que vem afligindo muitos implantodontistas desde que esta pandemia apareceu e foi se estendendo durante quase seis meses. O que ocorreu é que muitos pacientes que colocaram seus implantes em 2019 ou nos meses anteriores à pandemia (janeiro, fevereiro e até mesmo março) já poderiam ter feito a cirurgia de segundo estágio e colocado a prótese. Entretanto, devido às restrições impostas pela Covid-19, estas próteses não foram colocadas e os implantes acabaram permanecendo por mais tempo do que o necessário sem receber carga.
Isso ocorreu com mais intensidade nos três primeiros meses da pandemia. Depois disso, os atendimentos foram sendo retomados e muitos pacientes fizeram a cirurgia de segundo estágio e a colocação do tão sonhado dente definitivo. Porém, alguns pacientes não se sentiram confortáveis ou seguros de retomar os atendimentos e continuam na espera, até que a pandemia se acabe. São pacientes que pertencem aos grupos denominados “de risco” ou até mesmo aqueles que não estão dentro deste grupo, mas não querem sair de casa de jeito nenhum. Dentro deste contexto, estes pacientes ligam para nós e nos perguntam se é possível esperar mais um pouco, se vai prejudicar o implante etc. O que fazer nestas situações?
Acredito que cada caso deve ser avaliado individualmente. Alguns pacientes realmente se enquadram nos grupos de forte risco a desenvolver casos graves da Covid-19 e, talvez, seja mais prudente aguardar mais um pouco, principalmente se forem pacientes que colocaram poucos implantes e não estão tendo a sua mastigação prejudicada. Contudo, existem casos em que os pacientes são desdentados totais e estavam com dificuldades de mastigação, especialmente aqueles portadores de próteses totais com problemas de retenção. Estes pacientes nos procuraram por uma questão de saúde, e não estética. Geralmente, são idosos com cuidadores e já tinham algumas dificuldades de alimentação. Postergar a entrega da prótese definitiva para estes pacientes seria o melhor caminho?
Na minha clínica particular, tivemos um caso emblemático que ilustra bem esta situação que está se tornando cada vez mais comum nesta época de pandemia. Um paciente desdentado total, com 93 anos de idade, fez uma reabilitação total superior e inferior com a colocação de oito implantes (quatro superiores e quatro inferiores) no mês de fevereiro. No arco inferior, conseguimos fazer uma carga imediata, mas no arco superior não houve esta possibilidade. Em junho (após quatro meses) seria o momento de colocarmos a prótese superior, e foi exatamente isso que executamos após conversarmos com o paciente e a família dele. As Figuras 1 a 5 ilustram este caso.
Apesar da idade avançada, este paciente não possuía outra comorbidade que aumentasse o seu risco à Covid-19. Seu risco maior era realmente a idade, o que nos preocupou bastante. Entretanto, o seu estado de saúde geral era muito bom, com todos os exames e laudos médicos confirmando o quadro estável. O maior problema deste paciente era mesmo a dificuldade de se alimentar, pois a prótese total era pouco retentiva, o que o incomodava muito, já o fazendo abandonar alguns tipos de alimento, o que poderia levar a deficiências nutricionais. Assim, sabendo que os consultórios dentários estão sendo tomados como exemplos de cuidados de higiene para prevenção à Covid-19 e avaliando a dificuldade do paciente em se alimentar em função da prótese superior, nós optamos por reabrir os implantes superiores e concluir o caso. Tudo devidamente discutido e autorizado pela família.
Esta pandemia tem lançado desafios frequentes para nós, cirurgiões-dentistas. Muitos de nossos clientes têm chegado a nós em condições lastimáveis de saúde oral. Acredito que devemos usar o bom senso e compartilhar as decisões com os nossos pacientes e com as famílias dos mesmos, a fim de não agravarmos quadros já tão complicados. Respostas diretas e unilaterais são muito difíceis de serem dadas em um momento como este. Porém, adiar todos os procedimentos odontológicos, como irresponsavelmente preconizou a OMS (Organização Mundial de Saúde) na semana passada, pode ser o caminho mais rápido para encurtar a vida, já tão complicada, de alguns pacientes.
“Estas são as coisas que deveis fazer: falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de honestidade e de paz nas vossas portas. E nenhum de vós pense mal no seu coração contra o seu próximo, nem ameis o juramento falso; porque são estas coisas que eu odeio, diz o Senhor.” (Zacarias 8:16,17)
Marco Bianchini
Professor associado II do departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia