Distâncias biológicas

A “descoberta” das distâncias biológicas1 ocorreu em um passado não muito distante. Gottlieb2, em 1921, e Orban e Kholer3, em 1924, estabeleceram o conceito da união dentogengival, afirmando que havia um selamento biológico que delimitava uma espécie de separação entre o osso alveolar e a coroa clínica do elemento dental. A fronteira desta separação foi mais tarde chamada de união dentogengival.

Porém, foi em 1961 que Garguillo, Wentz e Orban4 relataram as supostas medidas médias desta união dentogengival que apresentamos na figura 1. Estas medidas médias nos deram o valor de aproximadamente 3mm, que deveríamos ter de estrutura dental livre entre a crista óssea alveolar e o limite cervical do preparo. Entretanto, o desvio padrão destas medidas foi bastante interessante (0 a 2,79 para o sulco, 0,71 a 1,35 para o epitélio juncional e 0,9 a 1,3 para a inserção conjuntiva).

Figura 1 – Esquema ilustrativo do espaço biológico e da distância biológica.

 

Estas variações indicam que o espaço biológico poderia apresentar, em algumas situações, um valor bem maior do que 3 mm, mas isto ocorreria em situações mais raras. Desta forma, eles promulgaram uma regra de ouro a respeito da distância biológica, que muitos clínicos utilizam até os dias de hoje: os tecidos acima da crista alveolar devem preencher um espaço composto por fibras gengivais, tecido conjuntivo e epitélio juncional que medem aproximadamente 2,04 milímetros, deixando mais 1milímetro que seria referente ao sulco gengival. Assim, chegaram ao valor de 3mm, considerando que esse valor é aplicável à maioria dos casos clínicos.

A maior dificuldade clínica para detectar as corretas dimensões das distâncias biológicas é que elas só podem ser verdadeiramente avaliadas por histologia. Outros métodos, como sondagem transgengival, radiografia de perfil paralelo e tomografias podem ser usados ​​para medir clinicamente as dimensões da unidade dentogengival, mas não exprimem corretamente as verdadeiras dimensões das distâncias biológicas1.

Assim, temos uma importante variação relativa ao sulco gengival clínico e o sulco gengival histológico, que deve ser levada em consideração pelos clínicos, quando estes estão realizando procedimentos restauradores em regiões subgengivais. O sulco gengival clínico é aquele medido pela sondagem clínica periodontal, que fatalmente acaba atingindo ou até mesmo rompendo o epitélio juncional, dependendo da pressão de sondagem do avaliador. Já o sulco gengival histológico é o sulco gengival real, medido através de cortes histológicos e que não possui qualquer tipo de inserção, deixando de fora o epitélio juncional. Desta forma, o sulco gengival histológico tem medidas sempre inferiores ao sulco gengival clínico. A figura 2 ilustra a diferença entre o sulco gengival clínico e histológico.

Figura 2 – Diferença entre o sulco gengival clínico (aquele que invariavelmente é penetrado pela sonda) e o sulco gengival histológico (que é o sulco gengival propriamente dito), não englobando o epitélio juncional, mas muito difícil de ser sondado clinicamente, devido a pressão de sondagem.

 

Atualmente, acredita-se mais em uma variação maior das distâncias biológicas e em valores que muitas vezes podem superar o padrão de 3mm. Estes achados já haviam sido relatados por Gargiulo et al. (1961)4, demonstrando um forte desvio padrão nas medidas. Os mesmos resultados foram confirmados por outros autores1,5 que apresentaram dados mostrando grandes variações na dimensão biológica dentro de uma mesma boca em uma média de 0,75 mm a 4,3 mm. Estas grandes variações foram observadas principalmente na inserção epitelial (epitélio juncional) e uma menor variabilidade na inserção conjuntiva.

A conclusão referendada pela maioria dos pesquisadores deste assunto1-6 é que existem alguns fatores que podem influenciar nas dimensões do epitélio juncional e da inserção conjuntiva.  Mudanças no espaço biológico dependem da localização do dente na arcada dentária, posição do dente no alvéolo, de superfície para superfície em um mesmo dente e do próprio indivíduo em si. Até mesmo os termos conhecidos como distâncias biológicas ou espaço biológico deveriam ser substituídos por “inserção supracrestal de tecido” 6.

Por fim, a regra de ouro de 3,0 milímetros deve ser usada com cautela e interpretada caso a caso, dente a dente. O clínico jamais pode esquecer que o valor de 3mm é uma média dos achados e que o desvio padrão existe, podendo este valor ser maior ou menor, dependendo de cada situação.

Referências

1–Ercoli C. Caton JG. Dental prostheses and tooth‐related factors. J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S207–S218
2- Gottlieb B. Der Epithelansatz am Zahne. Dtsch Monatsschr Zahnhk. 1921; 39:142-7.
3-Orban B, Kohler J. The physiologic gingival sulcus. Z Stomatol. 1924;22:353
4 – GARGIULO A. W., WENTS F. M, ORBAN B. Dimensions and relations of the dentogingival junction in humans. Journal of Clinical Periodontology, v.32, p.261-7, 1961.
5- VACEK J. S. The dimensions of the human dentogingival junction. The International Journal of Periodontics and Restorative Dentistry, v. 14, n. 2, p.154-65, 1994.
6- Jepsen S. Caton JG. Ablandar JM. et al. Periodontal manifestations of systemic diseases and developmental and acquired conditions: Consensus report of workgroup 3 of the 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri‐Implant Diseases and Conditions. J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S219–S229.

“Não tenha medo, pois estou com você; não desanime, pois sou o seu Deus. Eu o fortalecerei e o ajudarei; com minha vitoriosa mão direita o sustentarei.” (Isaías 41:10)

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