Acredito que ao longo dos últimos 12 anos eu já deva ter escrito mais de dez colunas, aqui neste espaço, sobre a interrelação da Periodontia com a Implantodontia. Penso muito antes de escrever novamente sobre isso para não ser repetitivo. Entretanto, com o fortalecimento das redes sociais, cada vez que eu me deparo com as frequentes mutilações dentais que muitos pacientes vêm sofrendo, e me sinto obrigado a voltar neste tema. Infelizmente, para alguns implantodontistas, o prazer de colocar um implante supera o dever de salvar um dente natural.
Com o advento dos implantes osseointegrados, e a euforia pelos resultados obtidos com a Implantodontia, os dentes naturais hígidos ou com uma boa perspectiva de serem mantidos na boca passaram a ser extraídos para dar lugar a implantes, pois estes dispositivos de titânio pareciam funcionar muito bem e até mesmo melhor do que muitos dentes com algum comprometimento periodontal. Baseados nestas constatações, uma forte corrente de profissionais aderiu à “eutanásia dental”, que seria o conceito de extrair dentes precocemente, que teriam um prognóstico duvidoso, para a colocação de implantes em seus lugares.
Este crescente desenvolvimento da Implantodontia fez com que as terapias tradicionais bem documentadas e baseadas em evidências para tratar doenças periodontais não sejam, às vezes, utilizadas em todo o seu potencial. Em vez disso, parece haver uma tendência crescente de extrair dentes comprometidos periodontalmente e substituí-los por implantes, como se os implantes pudessem resolver todos os problemas e não tivessem contraindicações ou limitações.
Atualmente, os problemas oriundos dos implantes osseointegrados são muitos. A peri-implantite é o mais conhecido deles. Muitas dessas alterações peri-implantares, que ocorrem ao longo dos anos de uso dos implantes em boca, são de difícil resolução e uma gama muito alta de implantes vem sendo perdidos ou removidos. Esta constatação epidemiológica fez voltar na comunidade científica a importância da manutenção do foco na Periodontia e na manutenção dos dentes naturais em boca, evitando extrações desnecessárias, sob o falso pretexto de que os implantes osseointegrados funcionariam melhor.
A extração de dentes condenados foi, é, e sempre será um tratamento. Dentes condenados devem ser extraídos e, na maioria das vezes, podem ser substituídos por implantes. Contudo, a decisão de manter ou extrair um dente com prognóstico duvidoso passa impreterivelmente pelos aspectos periodontais. Não é possível desprezar séculos de pesquisas sobre os tecidos de suporte dental, que obtiveram êxito na manutenção de dentes em boca no longo prazo, diminuindo sensivelmente a perda precoce de dentes na população mundial.
Antes dos implantes osseointegrados, a Periodontia preocupava-se intensamente em recuperar dentes perdidos e manter elementos abalados a todo o custo na boca. Para tanto, diversas modalidades de tratamentos periodontais foram exaustivamente pesquisadas e utilizadas na manutenção de dentes. Desta forma, as técnicas regenerativas dos periodontos de proteção e sustentação foram intensamente estudadas e aplicadas com relativo sucesso, “salvando” muitos dentes perdidos. Esta determinação em continuar investindo na manutenção dos dentes naturais deve permanecer. Felizmente, por uma insistência de pesquisadores periodontais, alguns biomateriais vêm sendo desenvolvidos com interessantes resultados na regeneração periodontal.
A Implantodontia e a Periodontia devem trabalhar juntas, favorecendo o pleno estabelecimento da saúde bucal e geral dos pacientes, mantendo dentes saudáveis ou que possam estar saudáveis após a terapia periodontal. A substituição de dentes condenados por implantes osseointegrados, que também possam se manter saudáveis no longo prazo, é uma terapia de escolha para os cirurgiões-dentistas, desde que os dentes em questão estejam realmente condenados. Extrair dentes que ainda teriam alguma chance de permanecer em boca, apenas por razões econômicas, é jogar a nossa profissão na vala comum da ganância.
“A honestidade livra o homem correto, mas o desonesto é apanhado na armadilha da sua própria ganância.” (Provérbios 11:6)
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
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