Todos nós, cirurgiões-dentistas, em algum momento, já viramos pacientes. Quem de nós já não teve que se sentar na cadeira odontológica para ser submetido a um tratamento? Após alguns anos longe da nossa fatídica cadeira, no último mês, tive que me submeter a um tratamento odontológico mais intenso. Meu dente 17 apresentou a necessidade de um tratamento endodôntico, que foi realizado pela Dra. Luciane Vidal. Após esta endo, me submeti ainda a confecção de três onlays nos elementos 16, 17 e 27. Foram dias intensos e de algumas horas sentado na cadeira, que vale a pena relatar aqui.
A famosa frase: “casa de ferreiro, espeto de pau” se aplicou totalmente no meu caso. Vou iniciar falando do dente 17, que começou a doer com líquidos frios há cerca de um ano. Naquela época, eu realizei alguns exames de imagens e não constatei qualquer infiltração, cárie ou fratura que justificasse a endo. Resolvi então ir “empurrando com a barriga” para ver se a dor passava. Esta procrastinação só resultou no aumento da dor a níveis insuportáveis, que me levaram a Endodontia.
Nos dentes 16 e 27 a situação foi ainda mais constrangedora. Há cerca de cinco anos eu também tive que me submeter a duas endodontias nestes elementos, que tiveram a mesma história que agora estava se repetindo no elemento 17. Na verdade, eu tenho um bruxismo forte, que exige a necessidade do uso de placa miorrelaxante. O não uso da placa sobrecarregou alguns dentes com uma força oclusal exagerada, o que resultou no comprometimento pulpar desses dentes.
Após concluídas as endodontias dos elementos 16 e 17, há cinco anos, eu pedi para um colega colocar uma “resininha” na cavidade, apenas para “tampar o buraquinho” do acesso endodôntico. Estas “resininhas” permaneceram lá por cinco anos. Vale lembrar que, volta e meia, eu pedia para o colega fazer um reparo nestas resinas, pois elas fraturavam com frequência. Sem falar na impacção alimentar proximal, que ocorria rotineiramente, devido a pontos de contato deficientes, próprios de áreas onde não estariam indicadas restaurações amplas de resina.
Uma vez que estava fazendo a endo do 17, aproveitei para dar uma geral na boca e, felizmente, só havia esta necessidade de onlays nos dentes 16, 17 e 27. Lá fui eu, então, novamente para a cadeira realizar os preparos cavitários e escaneamento digital para confecção dos onlays com a Dra. Madalena Egler. Foram duas seções para preparo, escaneamento e cimentação, onde o barulho das brocas, afastamentos de língua e bochechas, fios retartores e isolamento da área, me fizeram relembrar o quanto a Odontologia é desconfortável para os pacientes.
O relato de toda esta história tem um propósito simples: nos deixar alertas de que as reações dos nossos pacientes são bastante comuns e passíveis de entendimento. Algumas vezes, quando passamos para o outro lado do balcão, acabamos por ter as mesmas reações ou até mesmo piores, do que os nossos pacientes têm, frente a um tratamento dontológico. Obviamente, que não são todos os pacientes que apresentam estas reações, e também não são todos os cirurgiões-dentistas que têm este péssimo comportamento que eu tive.
Após este tratamento, eu mudei um pouco a minha conduta nos meus atendimentos. Sentir as dores do paciente somente na teoria jamais vai nos fazer entender o que realmente os pacientes sentem. Porém, quando viramos pacientes e passamos a viver, em tempo real, as intervenções odontológicas, nos damos conta do quão desconfortável e estressante que um tratamento odontológico pode se tornar. A nossa rotina clínica diária nos deixa com uma camada de gelo emocional que não se abala mais com as queixas do paciente. Cabe a nós removermos um pouco este gelo e humanizar mais os nossos atendimentos.
“Alguns confiam nos seus carros de guerra, e outros, nos seus cavalos, mas nós confiamos no poder do Senhor, nosso Deus.” (Salmos 20:7)
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Instagram: @marcoaureliobianchini | @bianchini_odontologia