Seu paciente te chama de “meu dentista”?

meu dentista
Fragmentação excessiva na Odontologia pode piorar a dinâmica dos atendimentos. (Imagem: Depositphoto)
“Meu dentista”: em tempos de atendimentos específicos, Marco Bianchini debate os problemas da fragmentação excessiva na Odontologia.
Data de publicação: 05/03/2021

Um dos maiores sonhos de um acadêmico quando se forma em Odontologia é fazer logo uma pós-graduação e se tronar especialista. Eu me lembro muito bem nos idos de 1991, quando me formei, a inveja que eu sentia dos meus colegas que haviam se formado alguns anos antes e já eram especialistas em alguma área. Por esta razão, logo em 1992, já ingressei no curso da minha primeira especialidade. Daí em diante não parei mais de me especializar, entrando na área acadêmica, cursando o mestrado e o doutorado.

Mesmo depois de tantos cursos, todos os dias quando eu entro na minha clínica particular, volto a ser um cirurgião-dentista, que foi aquilo que sempre sonhei em ser na minha época do científico (atual ensino médio). Assim, mesmo atuando em áreas mais específicas, como a Periodontia e a Implantodontia, continuo a exercer a Odontologia em seu nível mais básico, que é o diagnóstico da saúde bucal. Mesmo que eu venha a encaminhar os meus pacientes para outros colegas, que executam a Odontologia Restauradora ou a Ortodontia, por exemplo, ainda faço as consultas iniciais e de planejamento dos tratamentos. Ainda me considero um “dentistão” – aquele que faz profilaxias, aplica flúor, faz extrações e, às vezes, até restaurações.

O grande problema de se fazer uma ou várias especialidades é quando esquecemos o que realmente somos. A imensa variedade de áreas da Odontologia que podemos nos especializar faz com que restrinjamos os nossos atendimentos somente à área que nos especializamos. Isso acaba deixando a nossa visão muito restrita, enxergando apenas os problemas da nossa área de atuação. Sem falar na fidelização de clientes, que um especialista acaba perdendo, pois só recebe pacientes para procedimentos específicos e os devolve ao cirurgião-dentista de origem.

Esta dinâmica acaba fazendo com que o especialista se esqueça de ser um cirurgião-dentista de origem. Os atendimentos acabam sendo muito específicos dentro da área de atuação de cada um, e o conceito do cuidador da saúde bucal dos pacientes acaba desaparecendo. Desta forma, os especialistas não são mais chamados pelos pacientes de “o meu dentista”. Eles são reconhecidos como um ortodontista, um periodontista, um implantodontista etc. Aquela apresentação clássica que certamente muitos de nós já recebemos dos pacientes quando nos apresentam para um amigo, dizendo “esse aqui é o meu dentista”, vem desaparecendo nos últimos anos.

Mas qual seria a implicação prática disso tudo na nossa profissão e no mercado? Na verdade, o que está ocorrendo é a fragmentação excessiva dos atendimentos, levando os pacientes a pingar de galho em galho, piorando bastante a dinâmica dos nossos atendimentos. Obviamente, existem as clínicas integradas, com vários cirurgiões-dentistas atuando em diversas especialidades, o que facilita bastante a vida dos clientes. Contudo, muitos especialistas ainda trabalham em consultórios isolados, atuando em uma ou duas áreas, o que pode dificultar um pouco a dinâmica dos atendimentos para manter a estabilidade da saúde geral dos pacientes.

Na Implantodontia e Periodontia, que são especialidades irmãs, esta rotina não se fragmenta tanto. Porém, se não houver um protesista por perto, os atendimentos tendem a ser mais espaçados, aumentando o tempo de tratamento e a logística para os pacientes. Sem falar na necessidade de contatos entre os profissionais, que acabam dificultados pela correria do dia a dia, fazendo com que a discussão de planejamentos fique reduzida a mensagens de WhatsApp.

Vale lembrar, ainda, que muitos cirurgiões-dentistas especialistas se deslocam para atender pacientes no consultório de terceiros apenas para executar os procedimentos específicos de sua área. Eles realizam estes procedimentos e acabou, o restante vai ser feito com o profissional de origem. Este sim, provavelmente um “dentistão” de verdade, cuida da totalidade da saúde oral dos seus pacientes e não quer que eles saiam de seu consultório.

Graças a Deus, desde que me formei, continuo a receber pacientes que me procuram para “dar uma geral na boca”. Assim, eu continuo a fazer diagnósticos variados, que vão desde cáries insipientes, gengivites, periodontites e até problemas ortodônticos. Este exercício diário, além de fazer com que eu me sinta sempre um cirurgião-dentista, vai fidelizando cada vez mais os meus clientes. Espero continuar assim enquanto Deus permitir e enquanto meus pacientes, quando me encontrarem na rua ou em um restaurante, continuarem me chamando de “meu dentista!”.

“Quem é fiel nas pequenas coisas também será fiel nas grandes; quem é injusto nas pequenas, também será injusto nas grandes. Pois, se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?” (Lucas 16:10,11)

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