Há aproximadamente dois meses, eu fui surpreendido pela maravilhosa notícia de que serei avô. Minha filha me procurou e me mostrou o exame positivo de gravidez. Uma vida nova que chega é sempre uma excelente notícia, afinal, uma nova vida é sempre uma nova luz para o mundo. Então, o meu coração e o da nossa família se encheram de alegria. Contudo, algumas semanas depois da boa notícia, vieram as queixas da minha filha sobre um sangramento gengival que ela não costumava ter. Era a Periodontia me “perseguindo” novamente.
Segundo a classificação das doenças periodontais e peri-implantares de 2017, a gengivite na gravidez encontra-se no quadro da gengivite induzida por biofilme dental1. Entretanto, a alteração hormonal presente nas gestantes aparece como um possível fator modificador na extensão, severidade e progressão desta inflamação gengival. A elevação do nível dos hormônios esteroides sexuais, comumente observada na puberdade, gravidez ou após a medicação com anticoncepcionais orais de primeira geração, pode modificar a resposta inflamatória gengival. Desta forma, ocorre uma inflamação nos tecidos gengivais maior do que o esperado, em resposta a níveis relativamente baixos de biofilme dental.
A gengivite na gravidez, mais comum no segundo trimestre, é a manifestação bucal mais predominante nesse período da vida da mulher. Geralmente, ela resulta de uma má higiene bucal, irritantes locais, e mudanças dos tipos predominantes da flora bacteriana. Contudo, numa situação de não gravidez, estes sintomas não seriam observados, pois estas manifestações são exacerbadas por mudanças vasculares e hormonais, além de um aumento da porcentagem de bactérias anaeróbicas, causado pelo acúmulo de progesterona ativa, cujo metabolismo é reduzido durante a gravidez2.
A inflamação gengival associada a gravidez é iniciada pela placa bacteriana e exacerbada pelo aumento na produção de estrogênio e progesterona. O estrogênio é produzido pelo ovário e pela placenta, enquanto a progesterona é secretada pelo corpo lúteo, placenta e córtex adrenal. Ao final do terceiro trimestre, esses hormônios atingem um pico plasmático de 100 ng/ml (progesterona) e 6 ng/ml (estrogênio). Ou seja, cerca de 10 a 30 vezes mais do que durante o ciclo menstrual. Aparentemente, apenas gengiva e ligamento periodontal possuem receptores específicos para essas moléculas, enquanto que osso alveolar e cemento não. Isso explicaria o porquê da inflamação ficar restrita às gengivas e não desencadear perda de inserção3.
As características clínicas da gengivite da gravidez incluem eriterna, edema, hiperplasia e aumento do sangramento gengival. Uma cor vermelha intensa tende a estar presente na gengiva marginal e nas papilas interdentais. Ocorre perda de elasticidade, e pode também haver uma ligeira perda do sistema de inserção. Além disso, as alterações da imunocompetência durante a gravidez podem criar uma resposta exagerada de tecidos do periodonto de suporte, aumentando a mobilidade dental. Vale lembrar que estes sinais e sintomas podem variar bastante entre os pacientes.
A condição gengival da minha filha não fugiu ao que descrevemos no parágrafo acima. Contudo, durante o controle do biofilme e limpezas feitas por nós, profissionais, devemos atentar para o fato de que poderemos não encontrar muito biofilme, placa e/ou cálculo. Salvo naqueles pacientes que realmente têm dificuldades no controle de placa, o que iremos encontrar nas gestantes é uma gengivite que sangra muito e de maneira quase espontânea, com pouco biofilme presente. A figura 1 ilustra o caso da minha filha com gengivite na gravidez.
Toda mulher em idade fértil deve ser informada da importância crítica de um diagnóstico precoce e dos cuidados preventivos relacionados com gengivite da gravidez, de modo que se sintam motivadas a procurar um profissional de saúde bucal durante os períodos de gravidez. Um programa de prevenção bucal pré-natal pode incluir aumento na frequência da raspagem periodontal, na frequência e/ou duração da escovação e do uso de fio dental, prescrição de colutórios ou géis com fluoreto, uso de colutórios antimicrobianos, bem como aconselhamento alimentar2.
Referências:
1- Papapanou PN, Sanz M, et al. Periodontitis: consensus report of workgroup 2 of the 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri‐Implant Diseases and Conditions. J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S162–S170.
2- Fernandes, Camila Borges. A periodontia e a paciente feminina : associações com as diferentes fases da vida da mulher Camila Borges Fernandes.- Piracicaba, SP: [s.n.], 2004. Orientador: Prof. Dr. Antônio Wilson Sallum Monografia (Especialização) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Odontologia de Piracicaba.
3- Mascarenhas P, Gapski R, Al-Shammari K, Wang HL. Influence of sex hormones on the periodontium. J Clin Periodontol. 2003; 30:671-681.
“Chamando-os, ordenaram-lhes que de modo nenhum falassem nem ensinassem no nome de Jesus. Mas Pedro e João responderam: — Os senhores mesmos julguem se é justo diante de Deus ouvirmos antes aos senhores do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos.” (Atos 4:18-20)
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
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