Segurança da articaína em procedimentos odontológicos

ARTIGO COMENTADO

ESTUDO OBSERVACIONAL DE EVENTOS ADVERSOS RELACIONADOS A ARTICAÍNA E LIDOCAÍNA – Yamashita et al., 2020

A busca por anestésicos locais cada vez mais seguros, eficazes e versáteis na prática odontológica é constante. Embora a lidocaína permaneça como referência histórica nesse cenário, é imprescindível analisarmos o desempenho de alternativas mais modernas, como a articaína, especialmente diante de um mercado ainda bastante dependente da lidocaína no Brasil.

Neste artigo, os autores conduziram uma pesquisa observacional que objetivou avaliar a frequência de eventos adversos relacionados ao uso dos anestésicos locais lidocaína 2% e articaína 4%, ambos associados a epinefrina 1:100.000 em procedimentos odontológicos.

A lidocaína e a articaína são anestésicos locais amplamente utilizados na prática odontológica e pertencentes ao grupo amida. Sua principal indicação consiste no controle da dor transoperatória, atuando por meio do bloqueio da condução dos impulsos nervosos dolorosos em áreas circunscritas, ao inibir a abertura dos canais de sódio na membrana neuronal. Tal ação impede a etapa de despolarização da membrana e, consequentemente, a transmissão do impulso até o Sistema Nervoso Central (SNC). Não havendo chegada da informação nociceptiva ao SNC, não há percepção ou localização da dor. O tempo de duração do efeito anestésico está diretamente relacionado ao tempo de ligação da molécula ao receptor específico localizado na face interna da membrana neuronal.

A lidocaína foi o primeiro anestésico local do grupo amida a ser comercializado, na década de 1940 e ainda é considerada a droga padrão-ouro desse grupo, sendo amplamente indicada para diferentes procedimentos e perfis de pacientes em odontologia. Já a articaína foi introduzida no mercado em 1973, ganhou notoriedade em virtude de características moleculares peculiares. Podemos destacar a presença de um anel tiofeno em sua molécula (em lugar do anel benzeno presente nas moléculas dos demais anestésicos do grupo), o que confere maior lipossubilidade e, portanto, maior penetração celular, o que se traduz em rápido início de efeito e elevada taxa de sucesso clínico. Apesar de ser classificada como amida, a articaína também apresenta um grupamento éster em sua molécula, o que possibilita sua biotransformação tanto hepática quanto plasmática, resultando em menor tempo de meia-vida. Sua alta afinidade por proteínas plasmáticas contribui para o maior tempo de permanência conectada ao receptor específico de anestésicos locais, melhorando seu efeito clínico.

Apesar de os anestésicos locais serem drogas amplamente seguras, reações adversas podem ocorrer e o estudo em questão torna-se relevante justamente por investigar a frequência com que essas ocorrem. Parte da literatura sugere que a maior concentração da articaína (4%) em relação a outros anestésicos poderia elevar sua toxicidade e o risco de eventos adversos, como por exemplo, parestesia.

No estudo foram coletados dados demográficos e de histórico médico, como idade, sexo, experiências anteriores com anestesia local, uso de medicações contínuas e avaliação de medo e ansiedade (escala de medo de Gatchel). Os voluntários foram alocados, de forma aleatória e duplo-cega, para receber anestesia local com lidocaína 2% associada a epinefrina 1:100.000 ou articaína 4% associada ao mesmo vasoconstritor. A técnica anestésica utilizada variou conforme a região de realização do procedimento, assim como o volume anestésico, conforme a sensibilidade dolorosa do voluntário. Informações referentes ao atendimento também foram registradas, como número de tubetes anestésicos utilizados, técnica anestésica aplicada, tipo de anestésico local utilizado, tipo de procedimento odontológico e sua duração. Vinte e quatro horas após o atendimento, os voluntários foram contatados para relatos de possíveis eventos adversos e orientados a informar qualquer ocorrência tardia.

Ao todo, participaram 727 pacientes, sendo 338 pertencentes ao grupo lidocaína e 389 ao grupo articaína. Os procedimentos realizados foram agrupados em cirurgias orais (35,08%), procedimentos de dentística (32,60%), endodontia (24,62%) e periodontia (7,70%). Variáveis como idade, sexo, medo, presença de comorbidades, histórico de reações adversas e uso prévio de medicamentos não demonstraram associação significativa com eventos adversos em ambos os grupos.

O índice geral de eventos adversos no estudo foi de 3,71%, sendo que envolveram 3,85% dos pacientes do grupo lidocaína e 3,6% dos pacientes do grupo articaína. É importante ressaltar que todos os eventos adversos pós-operatórios foram reversíveis e transitórios, não exigindo tratamento específico. As reações mais frequentes incluíram sudorese, palidez, tontura, palpitação, tremores e hipotensão. Além disso, não foram relatados eventos adversos graves, como anafilaxia, crise aguda de asma, broncoespasmo, convulsão, ataques cardíacos ou parestesia.

Embora existam relatos na literatura acerca de reações alérgicas a anestésicos locais, a maioria dos quadros diagnosticados como alergia no consultório pode estar relacionada a manifestações ansiosas. Além disso, não necessariamente o agente causal é a molécula anestésica, visto que a alergenicidade dos anestésicos amida é extremamente baixa. Outros componentes da formulação anestésica, como antioxidante e conservante, quando presentes, provavelmente são os responsáveis na maioria dos casos.

Nos resultados observados, o grupo da Lidocaína apresentou maior associação de eventos adversos com procedimentos cirúrgicos e de longa duração. Também houve relação com a primeira exposição do paciente à anestesia, o que pode refletir fatores como ansiedade e expectativa de dor.

Já no grupo da Articaína, a única variável estatisticamente associada a efeitos adversos foi o uso de medicações diárias — o que está alinhado com a literatura farmacológica, que aponta a polimedicação como fator de risco para reações medicamentosas em geral. Mesmo diante desse dado, é importante observar que a articaína demonstrou segurança mesmo em pacientes polimedicados, sem registros de eventos graves, o que reforça seu potencial como anestésico de escolha para uma ampla variedade de perfis clínicos.

Outro ponto importante a ser destacado relaciona-se com a ocorrência de parestesia. A literatura já associou a introdução da articaína no mercado a um aumento de relatos de parestesia. Vários estudos já negaram tal associação, o que pode ser explicado pela maior parcela de mercado da articaína em alguns países. É importante ressaltar que, neste estudo, não houve relatos de parestesia durante ou pós-operatória em nenhum dos dois grupos avaliados.

A partir deste estudo observacional os autores concluem que ambas as soluções anestésicas avaliadas – lidocaína 2% e articaína 4% associadas a epinefrina 1:100.000 – demonstram perfil de segurança adequado para uso odontológico, tendo em vista a baixa frequência de eventos adversos. Os resultados deste estudo reforçam a segurança clínica da solução de articaína 4% com epinefrina 1:100.000 em diferentes procedimentos odontológicos e perfis de pacientes.

 

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