A importância de entender a formação inicial do biofilme

formação inicial biofilme
A formação inicial do biofilme se dá, basicamente, em três fases. (Imagem: Envato Elements)
Como controlar a formação inicial do biofilme e reduzir danos a dentes e implantes no longo prazo? Marco Bianchini analisa a questão.

Uma das aulas mais básicas que temos na graduação é aquela que fala dos mecanismos da formação da placa bacteriana. A maioria de nós, quando lembra desta aula, já vai torcendo o nariz, porque era um conteúdo relativamente chato, com muita bioquímica e alguma histologia. Entretanto, é possível fazer um resumo deste conteúdo, trazendo-o mais para a área clínica, uma vez que os mecanismos iniciais de formação do biofilme são de extrema importância na prevenção das doenças periodontais e peri-implantares.

Inicialmente, vale a pena relembrar que, antes da formação inicial do biofilme, temos a formação da película adquirida, que é uma camada membranosa amorfa, acelular, homogênea, lisa e transparente, normalmente livre de microrganismos. A película adquirida não é a placa bacteriana, mas tem uma influência direta na sua formação. Essa película adquirida é um filme formado pela adesão seletiva de proteínas, glicoproteínas e lipídeos à superfície dentária. Ela forma a base para a adesão dos microrganismos que, posteriormente, desenvolvem a placa bacteriana. A película adquirida forma-se muito rapidamente após uma higiene oral tradicional (início da formação em 15 minutos e o ápice em até duas horas).

O biofilme – ou a placa bacteriana propriamente dita – é composto por uma matriz orgânica (células do hospedeiro, epiteliais e/ou sanguíneas), produtos bacterianos (formas morfológicas bacterianas diversas), restos alimentares e componentes inorgânicos, como cálcio e fosfato. Sabemos que a placa bacteriana pode se espalhar ao redor de todo o elemento dental e tecidos moles. Contudo, a sua formação se dá, basicamente, em três fases: fase da aderência inicial, fase de acúmulo e fase da comunidade clímax.

A fase de aderência inicial é formada basicamente pela interação dos colonizadores primários com a película adquirida do esmalte e com outras superfícies dentárias expostas, como superfícies radiculares, próteses etc. Os microrganismos com maior capacidade de se aderir aos dentes nesta fase inicial são definidos como colonizadores primários (espécies pioneiras, com fímbrias ou pilis que facilitam a adesão primária). Ocorre, assim, uma retenção mecânica inicial dos microrganismos da placa nas superfícies dentárias. Este fenômeno da fase de aderência inicial se dá em até 24 horas, podendo iniciar-se imediatamente após a formação da película adquirida.

Já nas duas fases seguintes, a problemática do acúmulo bacteriano vai ficando mais grave. Na segunda fase, chamada de fase de acúmulo, muitos microrganismos que não se aderiram inicialmente aos dentes são agora capazes de se aderir, através da coadesão aos microrganismos primários que se estabeleceram na fase inicial. Estes são denominados de colonizadores secundários. Por fim, na terceira fase, denominada “fase da comunidade clímax”, a microbiota vai apresentar os colonizadores tardios, que são aqueles que aumentam em proporção, como consequência de variações ambientais decorrentes do acúmulo microbiano no próprio biofilme pré-existente. Estas duas fases de acúmulo e de comunidade clímax se iniciam a partir de 24 horas e podem estar relativamente maduras em 72 horas.

Após as fases de adesão inicial e acúmulo, diversas modificações ambientais ocorrem de forma que os diferentes gêneros e espécies microbianas vão variar em proporção até atingir uma fase de equilíbrio. Este equilíbrio é dinâmico, pois envolve constantes modificações fisiológicas para que a comunidade sobreviva no nicho colonizado, caracterizando a última fase de formação do biofilme (comunidade clímax). Vale lembrar que tudo isso pode ocorrer em poucos dias, nos fazendo enxergar que o ataque imediato, através da higiene oral, continua sendo o maior inimigo das doenças periodontais e peri implantares.

Vale lembrar ainda que, além do biofilme bacteriano específico, temos a nossa resistência natural ao ataque de microrganismos, conhecida como resistência do hospedeiro. Esta resistência natural sofre influência direta do funcionamento do nosso sistema imunológico. Indivíduos saudáveis, com bons níveis de vitaminas e metabolismo acelerado, geralmente se defendem bem do ataque microbiano, comum nas doenças periodontais e peri-implantares, bastando para estas pessoas uma higiene oral diária normal para que o quadro fique sempre estável.

Já indivíduos imunossuprimidos, com distúrbios sistêmicos importantes, como a diabetes descontrolada ou deficiências vitamínicas, certamente sofrerão maiores consequências dos ataques microbianos. Para este perfil de pacientes, torna-se urgente entender o rápido mecanismo de formação do biofilme, orientando-os para que estabeleçam programas rígidos de autolimpeza, além de visitas periódicas de manutenção e suporte no cirurgião-dentista.

Sempre é bom lembrar que, tanto para as doenças periodontais quanto para as doenças peri-implantares, a terapia de suporte diminuiu severamente a gravidade destas enfermidades, aumentando o tempo de vida em boca, tanto de dentes naturais como de implantes. Se conseguirmos controlar a formação inicial de placa nos nossos pacientes, certamente teremos a redução de maiores danos a dentes e implantes no longo prazo.

Referência

  1. Curtis MA, Diaz PI, Thomas E, Van Dyke TE. The role of the microbiota in periodontal disease. Periodontology 2000 2020;83(1):14-25.

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; que nos consola em toda a nossa tribulação, para que nós também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.” (2 Coríntios 1:3,4)

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