Passados mais de 30 anos desde que a Implantodontia baseada na Osseointegração entrou no Brasil, o dia a dia de um implantodontista vem mudando muito rapidamente. No início da atuação dessa nossa especialidade, a nossa rotina era receber todo e qualquer caso de ausência de dentes para que colocássemos implantes. Surgiam casos que variavam desde portadores de próteses totais até aqueles que tinham apenas necessidades de reposição unitárias de dentes. Dentro desta gama de casos, recebíamos indicações de pacientes com muito osso disponível e boas condições de realizar implantes, mas também casos mais complexos que exigiam enxertos ósseos de grandes proporções.
Na medida em que o tempo passou, a especialidade de Implantodontia ganhou terreno, formou mais e mais especialistas. Além disso, outros tipos de cursos de educação continuada habilitaram os clínicos a realizar casos mais simples. Assim, a rotina do especialista em Implantodontia começou a mudar. Na verdade, aconteceu o que o Dr Nilton De Bortoli, nosso querido Niltão, profetizou na década de 1980. “Em um futuro bem próximo, todos os cirurgiões-dentistas vão ter um motor para colocação de implantes na sua bancada”, afirmava. Este futuro chegou e, hoje, cada vez mais e mais dentistas clínicos realizam implantes no seu dia a dia de consultório.
Se por um lado esta constatação beneficiou muitos pacientes, uma vez que mais pessoas têm acesso ao tratamento com implantes, ela também modificou a vida dos especialistas, pois os casos mais simples foram desaparecendo e, para nós, passaram a vir os casos com um índice mais alto de complexidade. A massificação da nossa especialidade gerou um filtro natural dos casos simples, que são realizados pelos clínicos gerais. Ou seja, quando um clínico detecta um caso com boa disponibilidade óssea e facilidade na confecção da futura prótese, ele realiza este caso no seu próprio consultório, não necessitando repassar este paciente para um especialista.
Com isso, nós, especialistas, acabamos por receber, hoje em dia, casos mais complexos, que envolvem extrações dentárias complicadas, enxertos de tecidos duros e moles, reabilitações de arcada total extensas, entre outros. Aqueles casos que sonhamos todas as noites, em que temos muito osso disponível, muita gengiva inserida, espaços mésio-distal e interoclusal perfeitos, estão dando lugar aos pesadelos das arcadas atrésicas, com pouca disponibilidade óssea e desordens nos maxilares.
E não adianta chorar porque esta constatação acontece em toda e qualquer área ou tratamento que se torna uma rotina de atendimento. Este novo mundo em que vive o especialista em Implantodontia não é nenhuma novidade e ocorre em todas as especialidades que vão surgindo, na medida em que a Odontologia vai descobrindo novos tratamentos e novas soluções para as mazelas que afligem os pacientes. Isto aconteceu em um passado mais distante, com as resinas compostas fotopolimerizáveis, se repetiu mais recentemente com as lentes de contato, e está acontecendo agora, com a Harmonização Orofacial. Faz parte do processo natural de popularização das técnicas e tratamentos.
Infelizmente, devido a esta massificação da especialidade, alguns clínicos – ou até mesmo especialistas – não tão bem preparados se aventuram apressadamente em realizar os casos que, na visão deles, parecem ser simples. Este despreparo leva ao naufrágio, em situações clínicas que poderiam ter sido resolvidas mais tranquilamente por profissionais mais experientes e melhor preparados. Com isso, nossas clínicas acabam também sendo inundadas de casos para reposição de implantes que tiveram falhas e insucessos. São as famosas repetições de casos feitos por outros colegas que nos pedem socorro.
No mundo das especialidades médicas e odontológicas, não há como fugir destas constatações. Torna-se necessário que os especialistas em Implantodontia, principalmente aqueles que estão ingressando agora no mercado, tenham consciência de que a área de Implantodontia mudou e já faz parte do dia a- dia de um clínico geral. Não devemos ficar esperando pelos casos ditos “fáceis”, porque eles serão cada vez mais raros. Pelo contrário, devemos nos preparar mais e melhor para enfrentar os desafios e saber filtrar aqueles casos que temos que encaminhar para pessoas mais habilitadas.
“Mas há descrentes entre vocês. Ora, Jesus sabia, desde o princípio, quais eram os que não criam e quem iria traí-lo. E prosseguiu: — Por causa disto é que falei para vocês que ninguém poderá vir a mim, se não lhe for concedido pelo Pai. Diante disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele. Então Jesus perguntou aos doze: — Será que vocês também querem se retirar? Simão Pedro respondeu: — Senhor, para quem iremos? O senhor tem as palavras da vida eterna.” (João 6:64-68)
Marco Bianchini
Professor associado IV do departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia