Data de publicação: 03/07/2020
Nesta semana, quando eu estava chegando do trabalho, meu filho Arthur, de 12 anos, me recebeu na porta de entrada da nossa casa como sempre, com o nosso cachorrinho, um Shih Tzu chamado Bob. Como de costume, ele me abraçou fazendo festa junto com o cachorro e me perguntou como tinha sido o meu dia, e se eu tinha feito muitas cirurgias. Respondi que o dia tinha sido mais de consultas iniciais e ele prontamente me questionou novamente: “Só consultas? Pai, tu ficaste o dia inteiro respondendo consultas pelo WhatsApp?”.
A minha reação a esta pergunta foi de espanto. Eu prontamente perguntei a ele o por quê da pergunta. Meu filho Arthur já foi várias vezes na minha clínica, já acompanhou alguns atendimentos meus e da minha esposa. Ele sabe o que a gente faz lá. Então, a princípio, achei que ele estava fazendo alguma confusão devido às mudanças de rotina por conta da pandemia. Decidi entrar fundo na conversa com ele para tentar descobrir o que ele estava querendo dizer. E foi aí que o meu espanto aumentou ainda mais.
Na cabeça de um menino de 12 anos, que nasceu já com toda esta tecnologia digital presente na sua vida, era incompreensível entender a razão de uma pessoa necessitar de uma consulta presencial. Ele me perguntou: “Consulta pra quê? O paciente não pode te perguntar tudo pelo WhatsApp?”. Eu respondi provocando: “Como vou examinar a boca dele pelo celular?”. E ele prontamente retrucou: “Eles te mandam fotos e vídeos explicando tudo. Daí é só tu olhares e passar o preço”. Eu ainda insisti que tinham as tomografias, radiografias e exames pré-operatórios, mas a resposta foi ainda mais cruel: “Pô, pai. Isso aí todo mundo manda pelo WhatsApp”.
No momento em que a nossa conversa ia evoluindo, eu já sabia que ela seria o assunto da minha próxima coluna. Por isso fui “dando corda” para ele, a fim de ver o que viria de mais interessante. Por fim, ele acabou me dizendo esta última pérola: “Eu te vejo falando com os teus pacientes depois das cirurgias, mandando áudios de recomendações ou ligando pra ver como eles estão. Então, por que não podes fazer isso antes, para explicar o que vai ser feito?”. Depois de alguns poucos minutos da minha conversa, achei melhor parar porque as respostas já estavam me deixando tonto.
Na verdade, a maioria de nós, cirurgiões-dentistas, já usa plenamente os recursos digitais para agilizar os nossos atendimentos. Os próprios pacientes já vão enviando pelo WhatsApp ou por e-mail toda a documentação que possuem para adiantar os atendimentos. Porém, existem aqueles pacientes que não possuem nenhum material e querem conversar pessoalmente conosco. Eu me pergunto: também estes devem ser “digitalizados”? Devemos praticamente abolir a maioria de nossas consultas iniciais? Em tempos de Covid-19, isto é bastante compreensível. Mas, quando tudo isso passar, esta tendência será mantida?
Eu penso que os pacientes reagem de maneiras diferentes a esta nossa era digital e de pouco contato pessoal. Os mais “modernos”, independentemente da idade, se apressam em requisitar os recursos digitais a fim de organizarem melhor as suas vidas e não perderem tempo com encontros desnecessários que podem ser resolvidos pelo celular. Já os mais “tradicionais”, mesmo que sejam pessoas bem familiarizadas com o mundo digital, preferem o método antigo. Gostam de olhar nos olhos do cirurgião-dentista e escutar as nossas explanações para sentirem maior firmeza em realizar ou não o tratamento conosco. Este perfil de paciente não dispensa uma boa conversa preliminar para, depois, tomar a decisão final.
O mundo digital vem realmente mudando a nossa rotina de atendimentos. O WhatsApp deixou a nossa privacidade de lado e os pacientes podem nos encontrar a qualquer hora, em qualquer lugar do mundo. Mesmo que tenhamos o celular pessoal e o profissional, será quase impossível não responder uma mensagem de um paciente que está em um pós-operatório recente. Desta forma, nos dias atuais, o nosso contato com eles tem aumentado bastante.
Creio que este é um caminho sem volta. O nosso “pós-venda” (leia-se aqui “controle pós-operatório”) já ocorre invariavelmente através do WhatsApp. Contudo, quando penso somente nas nossas consultas iniciais, me pergunto se elas também irão tomar este caminho. Provavelmente, precisaremos ter as duas opções, a fim de atender as preferências de cada cliente.
Eu, particularmente, continuo a fazer minhas consultas iniciais da maneira tradicional – lógico que as minhas secretárias já vão agilizando tudo antes do atendimento. Assim, quando o cliente chega, eu já tenho tudo o que ele enviou e já planejei praticamente todo o caso. Entretanto, acredito que a tendência será o desaparecimento destas consultas iniciais. Se o meu filho Arthur virar cirurgião-dentista, ele vai poder contar pra nós, em um breve futuro, se isso realmente aconteceu.
“Então eles pediram: consulta a Deus, para que possamos saber se prosperará o caminho que seguimos. E disse-lhes o sacerdote: ide em paz; o caminho que seguis está sob o olhar do Senhor.” (Juízes 18, 6)
Marco Bianchini
Professor associado II do departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia