O ano de 2021 vai terminando e, mais uma vez nesta época, refletimos sobre o que foi bom e o que foi ruim em nossas vidas neste ano que está indo embora. É óbvio que as reflexões passam por tudo o que realizamos em nossos consultórios. Todos nós acabamos por fazer uma reavaliação dos tratamentos que entregamos, dos sucessos e insucessos, e do quanto a nossa atividade profissional influenciou na nossa vida particular. Dentro deste contexto, geralmente vem aquele pensamento de que não deveríamos ter realizado determinados casos ou que, talvez, deveríamos ter feito de uma maneira diferente.
Selecionar os casos que iremos realizar parece ser uma medida prepotente, e que é uma realidade de poucos. Afinal, qual cirurgião-dentista pode ficar negando casos e fazer apenas aquilo que quer? O mercado não funciona assim e todos nós acabamos por realizar aquilo que aparece nas nossas clínicas, claro que dentro das nossas aptidões e especialidades, indicando para outros colegas aqueles casos que fogem de nossa área de atuação. Contudo, mesmo dentro da nossa especialidade, existem situações em que não nos sentimos confortáveis em realizar, ou que não queremos mesmo fazer, não importando a questão financeira.
Acredito que selecionar corretamente os casos que aceitaremos tratar e, assim, encaminhar para outros colegas aquilo que não nos sentimos confortáveis em realizar, não é uma medida de prepotência, mas sim uma decisão sábia. Somente os muitos anos de clínica privada – e alguns cabelos brancos que nos restaram – é que nos darão a sabedoria necessária para não abraçar o mundo, querendo realizar todos os casos. Esta experiência clínica, decorrente de muitas falhas e tropeços, nos faz executar um recuo estratégico, deixando os casos complexos para aqueles que se julgam mais preparados, tanto clínica como emocionalmente.
Alguns colegas, após lerem este texto, podem pensar que eu estou equivocado em preconizar este tipo de atitude, já que o cirurgião-dentista é formado para resolver problemas, e não “amarelar” diante de situações difíceis. Entretanto, cada profissional deve procurar conhecer a si mesmo e identificar o grau de desgaste emocional e pessoal que o tratamento de casos mais complexos irá causar, tanto no profissional quanto no paciente que está se submetendo ao tratamento. Muitas vezes, um caso pode não ser tão difícil de ser resolvido, porém, o perfil do paciente e suas aspirações quanto ao resultado final podem tornar o caso bastante complexo.
Acredito que eu não seria capaz de escrever um texto como esse há dez ou 15 anos. Pode ser, também, que eu já tenha escrito algo totalmente diferente nas diversas colunas que desenvolvi aqui neste espaço ao logo dos últimos dez anos. Confesso que tive até receio de procurar por isso, e não o fiz para não ser induzido ao medo de me contradizer. Contudo, sinto-me cada vez mais maduro para recomendar aos colegas que não tentem abraçar o mundo. Cada profissional tem as suas aptidões, qualidades e limitações. O segredo de sermos bons profissionais é reconhecermos logo as nossas e, assim, colocar um freio em nosso ímpeto de querer resolver tudo ou agradar a todos.
Não considero humilhação, covardia, muito menos preguiça, o fato de refutar alguns casos que consideramos inadequados para o nosso perfil de atendimento. A área da saúde apresenta profissionais com diversas habilidades específicas e perfis psicológicos que podem se enquadrar nos variados tipos de pacientes e de casos que se apresentam para nós. Devemos, sim, procurar identificar todas estas variáveis antes de decidirmos tratar ou não um paciente. É um exercício de honestidade com o cliente, mas principalmente com nós mesmos, que estamos reconhecendo o que podemos ou não enfrentar.
Espero que em 2022 todos nós tenhamos mais sabedoria para selecionarmos os casos que iremos tratar. Espero também que possamos cada vez mais trabalhar em equipe, mesmo que cada profissional desta equipe trabalhe em seu próprio consultório ou clínica. Espero, mais ainda, que o trato com colegas de profissão possa ser mais profissional e sincero, gerando um aprendizado mútuo e evitando os julgamentos precoces e desnecessários do trabalho dos outros.
Por fim, vale lembrar que à medida que vamos amadurecendo na profissão, também mudamos de opinião e nos reciclamos, não só nas técnicas, mas também na parte emocional. Assim, podemos nos reinventar todos os dias, deixando o orgulho de lado e colocando o nosso trabalho na sua posição adequada para que ele não nos escravize, mas sim nos permita viver mais a vida em toda a sua plenitude.
Finalizamos aqui mais um ano de colunas semanais. Retornaremos na primeira semana de janeiro de 2022. Desejo a todos um abençoado Natal e que a celebração do nascimento de Jesus seja sempre o nosso maior presente. Que o Espírito Santo nos ilumine para ingressarmos em 2022 com muita paz, alegria, força e fé em Cristo.
“Porque nasceu para nós um menino, um filho nos foi dado. O poder de governar está sobre os seus ombros. Seu nome será: Conselheiro maravilhoso, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.” (Isaías 9:6)
Marco Bianchini
Professor associado IV do departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia