Um dos fatores de risco locais para acúmulo de biofilme bastante comum e que, muitas vezes, não recebem a devida relevância dos clínicos, são os componentes anatômicos do dente. Estas características anatômicas tais como: dens in dente, invaginações dentinárias, ranhuras, odontodisplasias, pérolas de esmalte, sulcos de desenvolvimento, reabsorções e reentrâncias radiculares externas, etc, que são próprios da individualidade e das características genéticas de cada paciente, também podem facilmente favorecer o acúmulo de biofilme na margem gengival e/ou apical, permitindo a aderência e maturação do biofilme, aumentando a dificuldade de remoção mecânica da placa bacteriana1.
A presença destes fatores locais anatômicos, retentivos de placa, impede o controle adequado por parte do paciente, pois dificultam extremamente a higiene pessoal. Além disso, dificultam também a remoção mecânica (raspagem) eficiente feita pelo Dentista, uma vez que os depósitos irão se acumular em áreas de difícil acesso. Alguns estudos clássicos2,3 já demonstraram que a não eliminação de fatores de retenção de placa acaba por favorecer uma evolução da destruição periodontal nessas áreas. Podemos considerar que tais elementos são fatores locais poderosos que podem agravar situações que seriam facilmente controláveis.
Um outro aspecto interessante destes fatores anatômicos de retenção de biofilme, é que eles também podem favorecer ao aparecimento de abscessos gengivais/periodontais em pacientes que não estejam sendo acometidos por qualquer doença periodontal. Na maioria das vezes isto ocorre em um sulco raso, que é obstruído por algum corpo estranho, facilitando o acúmulo de biofilme na área do sulco e um consequente abescesso4. Desta forma, sulcos radiculares, reentrâncias na raiz e invaginações dentinárias podem ser a porta de entrada para um acúmulo de biofilme e a consequente formação de abscesso.
As figuras 1 e 2 ilustram uma situação clínica onde constatamos a presença de uma depressão anatômica em forma de sulco na face vestibular de um incisivo central superior direito. Este componente anatômico favorece o acúmulo de biofilme nesta área, já demonstrando uma gengivite local e apresentando-se como um fator de risco local que deve ser criteriosamente controlado, a fim de se evitar a sua evolução para planos periodontais mais profundos.
A gengivite, em algumas situações específicas, evolui para uma periodontite. Embora esta evolução não ocorra obrigatoriamente em todos os casos, ela, eventualmente, pode acontecer. Identificar e controlar os possíveis fatores locais que possam levar a uma gengivite persistente ou que, porventura, possam aumentar o risco da transformação desta gengivite em uma periodontite é obrigação não só do periodontista, mas também de qualquer clínico.
A associação de um minucioso exame clínico periodontal tradicional com as imagens computadorizadas, pode identificar corretamente os componentes anatômicos locais que favorecem ao acúmulo de biofilme, mas que se forem adequadamente controlados, certamente irão prevenir maiores destruições periodontais na sua forma mais localizada.
Referências:
- Chapple ILC et al. Periodontal health and gingival diseases and conditions on an intact and a reduced periodontium: Consensus report of workgroup 1 of the 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri‐Implant Diseases and Conditions J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S68–S77.
- Lang NP, Kiel RA, Anderhalden K: Clinical and microbiological effects of subgingival restorations with overhanging or clinically perfect margins, J Clin Periodontol 10:563, 1983.
- Schätzle M, Land NP, Anerud A, Boysen H, Bürgin W, Löe H. The influence of margins of restorations of the periodontal tissues over 26 years. J Clin Periodontol. 2001;28:57–64.
- Herrera D, Retamal‐Valdes B, Alonso B, Feres M. Acute periodontal lesions (periodontal abscesses and necrotizing periodontal diseases) and endo‐periodontal lesions J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S78–S94.
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.” Mateus 11:28-30
Autor
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia
