A infecção por HIV ou a AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida), como é mais popularmente conhecida, aterrorizou o mundo na década de 1980. Segundo a UNAIDS – Brasil, aproximadamente 88 milhões de pessoas foram infectadas com HIV desde o início da epidemia e, deste total, 42 milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS desde o início da epidemia. Embora atualmente se tenha conhecimento da estabilidade da doença e da grande sobrevida dos infectados, a somatória dos números não deixa de ser alarmante.
O relatório anual Aids Epidemic Update, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que a doença bateu um triste recorde em 2003, sendo responsável pela morte de cerca de 3 milhões de pessoas em todo o mundo, 300 mil a mais do que no ano anterior. No Brasil, em 2022, o Ministério da Saúde registrou 10.994 óbitos tendo o HIV ou aids como causa básica. Até setembro de 2023, 770 mil pessoas vivendo com HIV estavam em tratamento antirretroviral – 5% a mais que o registrado em todo o ano de 2022. Dessas, 49 mil iniciaram o tratamento em 2023, contudo, atualmente, quase 200 mil pessoas sabem que têm o HIV no Brasil, mas não se tratam.
Existe uma associação clara entre a infecção pelo HIV e a ocorrência de doença periodontal necrosante. O aumento da perda de inserção e recessão gengival, se correlacionam com o declínio da contagem de linfócitos CD4, que são também chamados de linfócitos “helper” ou auxiliares. A contagem de CD4 mede a quantidade desses linfócitos, determinando a quantidade deles no sangue, para avaliar o estado do sistema imunológico em pessoas infectadas pelo HIV.
A microbiota associada a doença periodontal necrosante no HIV é semelhante à da periodontite em pacientes que não possuem o HIV, com algumas características específicas, como presença e invasão de Candida albicans, vírus do herpes ou espécies bacterianas super-infectantes. A doença periodontal necrosante em pacientes com HIV pode ser mais frequente e apresentar progressão mais rápida, com maior risco de evoluir para lesões mais graves e maior tendência à recorrência com baixa resposta à terapia.
Embora nos últimos dez anos, o Brasil tenha registrado uma queda de 25,5% no coeficiente de mortalidade por aids, a infecção ainda é um problema de saúde pública no país. Comparando os anos de 2020 e 2022, o número de casos de infecção pelo HIV aumentou 17,2% no Brasil. A banalização da doença (devido a diminuição dos óbitos), tem contribuído para este aumento de infectados, especialmente os jovens. Isto ocorre devido a comportamentos de risco, como a falta de uso de preservativos, múltiplas parcerias sexuais e a falta de educação sexual propriamente dita. Desta forma, a conscientização da população deve ser feita por todos os profissionais da saúde, inclusive nós dentistas.
Sendo assim, é bastante óbvia a responsabilidade do periodontista em ficar atento aos sintomas periodontais, especialmente no que tange a doença periodontal necrosante e os seus abscessos periodontais frequentes, que podem estar indicando uma infecção por HIV. Uma vez diagnosticado o paciente com HIV, este deve receber acompanhamento e tratamento médico específico, para que o controle da doença sistêmica seja efetivo. Os efeitos periodontais oriundos do HIV deverão ser tratados pelo periodontista, com intervalos curtos de tempo a fim de combater precocemente as frequentes recorrências da mesma, evitando que perdas maiores de inserção, perdas de dentes e abscessos ocorram de maneira indiscriminada.
Referências
- David Herrera | Belén Retamal‐Valdes | Bettina Alonso | Magda Feres. Acute periodontal lesions (periodontal abscesses and necrotizing periodontal diseases) and endo‐periodontal lesions. J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S78–S94.
- Manifestations of systemic diseases and conditions that affect the periodontal attachment apparatus: Case definitions and diagnostic considerations. Jasim M. Albandar, Cristiano Susin, Francis J. Hughes. J Clin Periodontol. 2018;45(Suppl 20):S171–S189.
“Porque assim diz o Senhor que tem criado os céus, o Deus que formou a terra, e a fez; ele a confirmou, não a criou vazia, mas a formou para que fosse habitada: Eu sou o Senhor e não há outro.” (Isaías 45:18)
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Instagram: @marcoaureliobianchini | @bianchini_odontologia