Quando você trabalha fazendo Periodontia e Implantodontia “raiz”, escuta com frequência algumas “pérolas” dos pacientes. Na semana passada, eu escutei mais uma dessas, que me tiraram um pouco do sério. Não foi nada que eu já não tivesse escutado nesta minha jornada de 31 anos de clínica odontológica. Mas, por alguma razão, me irritou profundamente. Talvez seja a idade chegando ou – quem sabe – as dúvidas dos pacientes começaram a ser as mesmas que as minhas.
Estava eu lá, fazendo uma cirurgia periodontal regenerativa em um molar superior, com uma lesão de furca grau II e uma lesão endo-perio. O caso era daqueles que a gente fica na dúvida entre extração e colocação de implante ou a preservação do dente com terapia periodontal regenerativa e tratamento endodôntico. Como o grau de mobilidade do dente não era tão grande e não havia osso suficiente para um implante imediato, decidi manter o dente.
A idade da paciente, que tem 74 anos, também contribuiu para a minha decisão de manter o dente. Afinal, caso eu optasse pela extração, a paciente teria que se submeter a um enxerto ósseo no seio maxilar para posterior colocação do implante, o que aumentaria bastante a morbidade do caso e o tempo total de tratamento. Sem falar que as terapias periodontais regenerativas, quando bem indicadas e bem acompanhadas através de uma terapia de suporte, oferecem bons resultados.
Tudo isso é muito bonito no papel. Mas, na vida real, quando entramos em uma cirurgia regenerativa para tratamento de lesão de furca grau II em um molar superior, o acesso cirúrgico e as manobras regenerativas dão um trabalhão danado. Só entende o que eu estou falando quem faz esta terapia no seu dia a dia clínico. Mesmo assim, encarei bem a situação e, apesar do suador, consegui concluir a cirurgia do jeito que eu desejava. Contudo, ao final do atendimento, quando a paciente já estava levantando da cadeira ela soltou a pérola: “Doutor, que trabalheira! Não era melhor ter arrancado de uma vez este dente?”.
Quando eu ouvi aquilo, foi como se alguém tivesse dado um soco no meu estômago. Depois de todo aquele trabalho, que eu tinha ficado orgulhoso por ter concluído bem a cirurgia, a paciente parecia não ter gostado muito. Vale lembrar que, durante a cirurgia, a paciente não teve dores que necessitassem um reforço da anestesia local e nem ficou agitada. Tudo transcorreu bem durante aproximadamente uma hora. Contudo, na visão desta cliente, foi muito trabalho para tentar salvar um dente.
Bem, depois deste comentário, eu não pude me conter e o velho sangue italiano misturado com português perguntou: “quando a senhora tem um problema no pé ou na mão, a senhora arranca fora o pé ou mão?”. Ela prontamente me respondeu: “Ah, doutor, mas aí é um pé ou uma mão, e não um dentinho qualquer”. A resposta foi um contragolpe muito violento para mim. Fiquei sem ação e com uma vontade tremenda de dizer uns bons desaforos para a paciente. Contudo, me contive e fui tentando explicar a ela que iria valer a pena salvar aquele dente.
Eu entendi perfeitamente que a paciente não estava desvalorizando o meu trabalho. Ela mesma fez questão de dizer isto enquanto conversávamos após a cirurgia. Ela viu o meu esforço e entendeu a dificuldade do caso. Entretanto, enquanto eu trabalhava naquela uma hora, ela ficou pensando se não teria sido mais fácil, tanto para mim quanto para ela, ter extraído o dente. São questionamentos pertinentes de quem está se submetendo a um tratamento invasivo, mas que podem causar um tremendo desânimo no profissional.
Esta cirurgia ocorreu no início da manhã e eu passei o restante do dia pensando nela. Tentei não ficar questionando muito o meu planejamento, mas não pude evitar uma nova olhada nas radiografias e na tomografia para confirmar bem o meu planejamento. Cheguei a conclusão de que a minha decisão tinha sido correta. Porém, ao final do dia, mais calmo e reflexivo, entendi também o posicionamento da paciente. Afinal, não é tão simples se submeter a uma cirurgia odontológica.
À noite, já em casa e saboreando um bom vinho, continuei pensando no assunto, tentando descobrir uma maneira melhor de fazermos alguns de nossos clientes valorizarem mais os seus dentes. Este é um problema antigo, que ocorre desde que a Odontologia existe. Porém, enquanto as pessoas não valorizarem adequadamente os seus dentes naturais, continuaremos a ouvir estas pérolas que, mesmo ditas sem a intenção de magoar o profissional, causam um tremendo dano no nosso ego.
“Porque não ousamos nos classificar ou comparar com alguns que louvam a si mesmos. Mas eles, medindo-se consigo mesmos e comparando-se consigo mesmos, revelam falta de entendimento. Nós, porém, não nos gloriaremos além da medida, mas respeitamos o limite da esfera de ação que Deus nos demarcou e que se estende até vocês.” (2 Coríntios 10:12-13)
Marco Bianchini
Professor associado IV do departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia