Se procurarmos em qualquer dicionário on-line, encontraremos que o significado da palavra descartável é: um adjetivo que se diz do objeto que se lança fora, no todo ou em parte, após o uso (agulha, seringa, embalagem, etc.) Já quanto aos sinônimos da palavra descartável, encontramos: insignificante, irrelevante, bobo, menor, à toa, sem importância. Podemos, ainda, encontrar alguns outros significados para descartável, como: algo que se utiliza uma vez e se descarta, ou seja, se joga fora. Os copos de plástico são os melhores exemplos de objetos descartáveis.
Quando entramos no campo da Implantodontia, a palavra descartável nos leva logo a pensar nos materiais cirúrgicos que utilizamos em uma cirurgia, e depois são descartados. Ou seja, jogados fora no lixo hospitalar. Campos cirúrgicos, agulhas e lâminas de bisturi são alguns destes bons exemplos. São diversos os materiais descartáveis utilizados nos nossos consultórios, desde a luva látex e luva de vinil, comuns no dia a dia clínico, como também demais equipamentos de proteção individual, como máscara descartável, touca, avental descartável, pro pé etc.
Infelizmente, alguns poucos profissionais ainda insistem em reutilizar produtos descartáveis. Objetivando diminuir os custos dos seus procedimentos, alguns cirurgiões-dentistas acabam reutilizando produtos que deveriam ser usados uma única vez. Estes colegas acabam por reesterilizar muitos materiais e equipamentos, aumentando o risco de uma contaminação, caso o produto que foi reesterelizado se rompa durante a reutilização. Este tipo de atitude pode até dar certo, principalmente levando-se em consideração o “jeitinho brasileiro”, que insiste em nos rodear, mas pode também levar a falhas, que irão custar bem mais caro do que um kit cirúrgico novo.
Quando entramos no campo das brocas, pilares protéticos, pilares de cicatrização e parafusos de retenção de coroas, nossa perspectiva de reutilização ganha outros patamares. Obviamente que a maioria de nós já reutilizou algum destes componentes, mesmo porque estes materiais não são descartáveis e podem ser reutilizados, desde que sejam corretamente esterilizados antes do uso. Contudo, não há como negar que, um produto que já foi utilizado, mesmo que uma única vez, pode perder um pouco das suas propriedades físicas (como uma rosca espanada, por exemplo) e levar a falhas, que irão perturbar a nossa rotina clínica.
Este é um assunto bastante delicado, principalmente em se tratando de Brasil. O “jeitinho brasileiro”, que está impregnado na nossa cultura, nos faz caminhar para esta falsa “esperteza” de querer reutilizar tudo. As histórias que chegam para nós, que estamos na estrada da Implantodontia há muitas décadas, são realmente inacreditáveis e impublicáveis. Muitos destes casos estão na Justiça, onde até implantes que foram perdidos são resterelizados em estufas e utilizados novamente. Tudo para se economizar alguns trocados, que não valem a pena quando resultado dá errado.
O grande dilema do que é descartável na Implantodontia é quando levamos a palavra para o âmbito humano. Parece que quando o assunto é sobre pessoas, a nossa tônica se inverte quanto à reutilização. Seriam também nossos pacientes descartáveis? E nossos colaboradores ou nossos superiores (chefes)? Poderíamos nós descartá-los quando acharmos conveniente? E quanto a reutilização destas pessoas? Mesmo desgastadas, poderíamos nós continuar a usá-las?
Sem querer filosofar muito, ou fazer o papel de psicólogo, coisa que não sou, acredito que, atualmente, as pessoas se tratam cada vez mais como descartáveis. A maioria de nós tem como lema o seguinte: “se não compreendem os meus desejos, eu vou descartar”. Isto vale para pacientes, funcionários, patrões, sócios, etc. Surpreendentemente, esta pressa em descartar pessoas não se dá em descartar produtos ou equipamentos que não deveriam ser reutilizados.
Se olharmos lá no primeiro parágrafo, vamos verificar que alguns sinônimos de descartável se aplicam bem a produtos que realmente devemos jogar fora. Contudo, se aplicarmos estes significados a pessoas que convivemos no nosso dia a dia, especialmente no trabalho, os termos “insignificante, irrelevante, bobo, menor, à toa, sem importância ou “algo que se utiliza uma vez e se descarta, ou seja, se joga fora” não podem de maneira alguma ser aplicados para seres humanos.
“Não façam nada por interesse pessoal ou vaidade, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo, não tendo em vista somente os seus próprios interesses, mas também os dos outros.” (Filipenses 2: 3-4)
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia