Qualidade de vida com periodontite: é possível?

Qualidade de vida com periodontite
Marco Bianchini relata história de amigo que tinha problema na mastigação, e mostra o impacto na qualidade de vida do paciente com periodontite.

Sempre que eu escrevo sobre qualidade vida com periodontite, me vem a mente uma experiência que vivi há uns 25 anos. Eu tinha apenas seis anos de formado e já tinha conseguido ganhar um “dinheirinho” com a profissão. Assim, resolvi gastar essa grana em uma viagem para Europa, onde realizei um cruzeiro marítimo no mediterrâneo. Na viagem, conheci algumas pessoas e, dentre estas, estava um homem que tinha cerca de 60 anos e que, sabendo que eu era cirurgião-dentista e já trabalhava com implantes, me confessou o quanto sofria com a perda de dentes.

Eu já havia percebido que este meu novo amigo tinha algum problema na mastigação, pois num dos jantares que tivemos juntos ele não tocou na comida (uma carne assada que, segundo ele, estava ruim). Na verdade, não era o gosto da carne que o desagradou, mas sim a consistência. O meu DNA de cirurgião-dentista me fez perceber o quanto ele sofria para mastigar aquela carne, o que o fez desistir da refeição. Foi a primeira vez na minha vida que eu percebi, de verdade, o quão sofrido era não poder mastigar adequadamente.

Após este acontecimento inusitado, a minha vida de cirurgião-dentista foi me ensinando a entender melhor as dores periodontais e de perdas dentárias dos pacientes. O convívio diário com pacientes periodontais faz a gente quase que sentir as dores e angústias dos pacientes, que vão muito além de um dente escurecido ou mal posicionado. As dificuldades e restrições de um paciente doente periodontalmente impactam diretamente na sua qualidade de vida e na qualidade de vida daqueles que vivem próximos a ele.

Algumas formas de periodontites são perigosamente silenciosas e até mesmo subclínicas. Esta “camuflagem” dos sintomas iniciais das doenças periodontais pode, pouco a pouco, afetar negativamente a alimentação, a estética e a fonética. A perda de função devido à perda do dente ou mesmo de um implante (que já foi colocado para substituir um dente perdido) interfere diretamente na mastigação e, portanto, na digestão, desencadeando um processo contínuo de desequilíbrio,  que vai ter consequências sérias na qualidade de vida das pessoas.

Este efeito sobre a nutrição tem as consequências mais prejudiciais em indivíduos mais idosos. Estudos sugerem que uma dentição que não funciona bem pode prejudicar gravemente a longevidade, aumentando a necessidade de visitas hospitalares mais frequentes e a consequente morbidade, com a diminuição da qualidade de vida como um todo. Só quem já teve um ou mais dentes perdidos, ou com mobilidade aumentada, é que vai entender o quão sofrido é ter a sua dieta limitada por problemas mastigatórios. 

Além dos problemas na mastigação, as consequências estéticas da perda óssea e dentária e da recessão gengival também podem afetar a qualidade de vida, especialmente nos dias atuais, onde a exposição nas mídias sociais alterou a forma como as pessoas avaliam um sorriso. Assim, estas consequências estéticas são mais relevantes para o paciente se o periodonto anterior estiver danificado, pois os dentes na parte posterior da boca não são facilmente vistos em fotos nas redes sociais (a não ser que você “abra” muito a foto).

Em tempos pós-pandemia, em que a proximidade das pessoas voltou, tanto os defeitos estéticos no sorriso quanto problemas de halitose têm sido associados a más perspectivas de emprego e acentuada timidez em convívios sociais. A volta de nossa rotinas “off-line” faz valer a necessidade de andarmos bem de saúde oral, a fim de que a nossa qualidade de vida, tanto no aspecto estético como funcional, seja preservada. O tratamento periodontal – ou com implantes dentários – vai mais além dos aspectos técnicos, diretamente relacionados com a manutenção de dentes ou a reposição de elementos condenados. É preciso estabelecer protocolos que devolvam a estética e função do sorriso, mas que também consigam elevar a autoestima dos pacientes, melhorando a qualidade de vida, principalmente no aspecto emocional e de convívio social, em todos os ambientes em que esse paciente se relaciona.

Referências:

  • Denis F. Kinane1, Panagiota G. Stathopoulou1 and Panos N. Papapanou. Peridontal Diseases. ARTICLE NUMBER 17038 | VOLUME 3 NATURE REVIEWS | DISEASE PRIMERS . 2017

Ouve-me depressa, ó Senhor; o meu espírito desmaia. Não escondas de mim a tua face, para que não seja semelhante aos que descem à cova. Faze-me ouvir a tua benignidade pela manhã, pois em ti confio; faze-me saber o caminho que devo seguir, porque a ti levanto a minha alma. (Salmos 143:7,8)

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