Reação de corpo estranho no implante dentário: um quebra-cabeças sem fim?

Corpo estranho no implante
Corpo estranho no implante: o editor científico Paulo Rossetti tenta explicar a polêmica da "peri-implantite sem bactérias”.

No início do século 20, as ligas cirúrgicas para osteossíntese eram resistentes, mas causavam irritabilidade tecidual (inflamação por corrosão). Após testes nos anos 1940 e 1950, placas de titânio foram usadas como prótese de quadril em humanos e demonstraram boa reação histológica em animais pequenos pela sua alta resistência à corrosão. Em 1962, Per-Ingvar Brånemark e colaboradores criaram parafusos especiais e descreveram este fenômeno como “osseointegração”.

Depois, nas décadas de 1970 e 1980, a pesquisa com biomateriais metálicos e poliméricos implantáveis se intensificou. Muitos eram “biotoleráveis”, e o titânio era “bioinerte”. Mas, no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, pesquisadores observaram que ele também se fazia trombogênico. Nos anos subsequentes, achados histológicos encontraram células gigantes multinucleadas (fusões de macrófagos) em contato direto com este metal, sem conseguir fornecer uma explicação lógica.

Então, o que se suspeitava desde os anos 1970 foi confirmado pela melhor ciência de precisão nos anos 2000: células do sistema imune e ósseo trocam figurinhas (citocinas, fatores de crescimento) e determinam se o osso “fica” ou “sai”. Foi nesta mesma época que tivemos o “boom” das superfícies de implantes dentários, uma espécie de corrida pela “aceleração da osseointegração”. Assim, nos primeiros 50 anos, o titânio passou como “bioinerte”.

A remodelação óssea marginal longitudinal, e não o resultado da sondagem no ligamento periodontal, sempre foi usada como critério de “saúde” ou “doença”. A interface osso-implante se mostrava dinâmica, mas ainda era difícil justificar as tais células gigantes.

Então, em 2014, uma nova teoria foi lançada: o implante dentário de titânio provocava uma reação inflamatória de hipersensibilidade tipo IV, onde o sistema imune criava um envoltório de osso (“demarcação”, “envelope”, “cápsula”, “isolamento”, há diversos sinônimos). Nas publicações subsequentes, propunha-se que, como células gigantes multinucleadas são coleções de macrófagos fusionados – e há os que colaboram para a inflamação (tipo 1) enquanto outros a resolvem (tipo 2) –, implantes dentários bem-sucedidos seriam o equilíbrio biológico destas duas populações. Faltava explicar como o sistema imune “enxergava” o titânio.

Depois de cinco anos, mais coelhos, cortes histológicos e o uso de marcadores para expressão gênica, provou-se experimentalmente que o titânio “ativa” o sistema imune, mas chama os macrófagos M2, criando depois um ambiente para deposição de osso ao redor das suas roscas. A perda óssea progressiva agora seria interpretada como um “desequilíbrio na resposta imune ao longo do tempo”, a sondagem periodontal continuava desaconselhada, assim como o cigarro (nicotina derruba osteoblastos) e a sobrecarga oclusal (que “ativaria” os macrófagos quiescentes, os mesmos daquelas lâminas histológicas). Agora, em menos de 20 anos, o titânio está perdendo seu posto de “bioinerte”.

David F. Williams, renomado pesquisador, reinterpretou em 2014 o termo “biocompatibilidade” ao dizer que ela é o “sistema formado” (pelo biomaterial e área de implantação), e usou como exemplo – adivinhem: “o titânio dentro do osso cortical constitui um sistema biocompatível. Mesmo assim, não podemos dizer que o titânio colocado dentro do osso cortical resultará em biocompatibilidade clinicamente aceitável, já que é preciso ter em mente a influência do paciente e da técnica cirúrgica”.

Coincidência ou não, o que estamos testemunhando nas lâminas histológicas é a criação de uma camada de osso cortical (demarcação) ao redor do titânio, como “tentativa imune dinâmica de longo prazo” para isolá-lo do osso medular. A lógica supõe que, se o “efeito sentinela chegar às vias de fato”, o osso será desfeito e um novo implante dentário será necessário.

Antes de qualquer cirurgia, a avaliação sistêmica continuará importante. Do ponto de vista odontológico, diminuir os intervalos entre as consultas de manutenção (terapia de suporte) é o que podemos fazer. Caprichemos nas radiografias e sigamos em frente.

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