Embora o primeiro indivíduo a tratar as doenças periodontais usando um “procedimento de retalho” possa ser desconhecido, vários Dentistas históricos, incluindo Black (1886), Ciesznyski (1914), Widman (1916) e Neumann (1921) descreveram abordagens cirúrgicas que permitiam o acesso direto às raízes, osso alveolar e bolsas periodontais, a fim de se realizar um tratamento periodontal.
Alguns termos, como: desbridamento a retalho, curetagem a retalho, raspagem a campo aberto, raspagem a céu aberto, dentre outros, foram usados para descrever essa técnica, sendo que o objetivo comum era o acesso aos tecidos periodontais atingidos pela doença. A técnica consistia no descolamento de um retalho, sem que se realizasse uma osteotomia e/ou osteoplastia), ou seja: não havia a realização de qualquer procedimento que alterasse o osso. O princípio básico era acessar o osso e a raiz para que uma raspagem e descontaminação mecânica fosse realizada mais adequadamente.
A indicação básica da raspagem a campo aberto, no tratamento da doença periodontal, são as áreas de bolsas profundas e sinuosas, maiores do que 5mm, que continuam inflamadas e sem um adequado controle do biofilme microbiano, mesmo depois de realizados os procedimentos não cirúrgicos (raspagem a campo fechado).
Estas bolsas profundas geralmente produzem discrepâncias ósseas acentuadas que inviabilizam qualquer remodelação óssea feita através da osteotomia e osteoplastia, pois a ressecção óssea removeria o pouco osso de suporte que estes dentes ainda possuem. Desta forma, a raspagem a campo aberto pura e simples, sem a realização de qualquer outro procedimento de reanatomização e remodelação óssea ou ainda de regeneração, é considerada a última opção de tratamento periodontal, antes que o dente seja condenado.
Resumidamente pode-se elencar as seguintes indicações básicas de uma cirurgia de raspagem a campo aberto:
– acesso direto a raiz em bolsas profundas e sinuosas (maiores do que 5mm)
– acesso direto ao osso alveolar em áreas com discrepâncias ósseas acentuadas
– acesso direto ao osso e a raiz para a realização de procedimentos regenerativos.
Deixando de lado as técnicas regenerativas, a grande pergunta que se faz na atualidade é se realmente é necessário abrir um retalho para se raspar, uma vez que dispomos de instrumentos ultrassônicos de alta intensidade, que penetram de maneira profunda na bolsa periodontal? As figuras 1 e 2 ilustram um caso severo de periodontite, onde foi realizada uma raspagem a campo fechado obtendo excelentes resultados.
É inegável que o rebatimento de um retalho para se acessar dentes a serem raspados oferece algumas vantagens como: melhor visualização (visão direta da raiz e do osso alveolar); facilidade de instrumentação para desbridamento e descontaminação mecânica e química; maior redução das bolsas periodontais e melhora da higiene bucal a longo prazo. Entretanto, algumas desvantagens também são bastante evidentes como: não proporcionar a regeneração completa dos tecidos periodontais perdidos, recidivas relativamente frequentes e sequelas estéticas desagradáveis pela recessão tecidual intensa que geralmente ocorre.
Sendo assim, não se consegue responder com 100% de certeza se ainda vale a pena se abrir um retalho para raspar dentes comprometidos periodontalmente. É uma pergunta que vem atravessando gerações sem que consigamos responde-la pontualmente. As variáveis “Dentista e Paciente” ainda influenciam bastante nesta resposta. Logo, o bom senso, habilidade do profissional e colaboração do paciente é que nos mostrarão o caminho para se abrir ou não um retalho, para fins de raspagens periodontais.
“Não dêem ouvidos às palavras daquele profeta ou sonhador. O Senhor, o seu Deus, está pondo vocês à prova para ver se o amam de todo o coração e de toda a alma. Sigam somente o Senhor, o seu Deus, e temam a ele somente. Cumpram os seus mandamentos e obedeçam-lhe; sirvam-no e apeguem-se a ele.” Deuteronômio 13:3,4
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
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