Cálculo dental e a biologia evolutiva

Cálculo dental
Cálculo dental in vivo na região dos incisivos inferiores.
Cálculo dental: estudos de biofilmes fossilizados detalham fatores de virulência bacteriana, proteínas de defesa e o desenvolvimento de doenças atuais.

Se reportarmos o histórico da Periodontia, encontraremos uma definição do cálculo dental feita por Albucassis, um médico árabe, no ano de 1130 (dc), que se aplica até os dias de hoje. Ele disse: “Há acúmulo nas raízes dos dentes, dentro, fora e entre as gengivas, de camadas ásperas e feias que podem ser pretas, amarelas ou verdes, gerando corrupção e supuração das gengivas ao redor dos dentes”. Obviamente, todos nós conhecemos bem o cálculo dental ou “tártaro”, como muitos pacientes gostam de chamá-lo. Porém, o que o cálculo dental tem a ver com a biologia evolutiva dos seres humanos?

Na verdade, o cálculo dental é uma massa de placa bacteriana calcificada, composto em suas camadas mais profundas por bactérias mortas aderidas aos dentes. Nas suas camadas mais superficiais, ele é revestido pela placa não mineralizada vital. Estes biofilmes mineralizados, que conhecemos como cálculo, são formados por cristais de vários tipos de fosfatos de cálcio, desenvolvem-se acima ou abaixo da margem gengival livre (supra ou subgengival) como depósitos moderadamente duros, de cor branca, amarelada e/ou escurecida. É praticamente impossível encontrar um cirurgião-dentista que não saiba o que é um cálculo dental. Isto ocorre, muito provavelmente, porque a presença dele em nossas bocas se reporta às descobertas arqueológicas mais antigas da humanidade.

O cálculo dental representa o primeiro registro fossilizado de grupos bacterianos associados ao corpo humano. Assim, o cálculo tornou-se uma importante fonte de informação relacionada à evolução do microbioma humano. Vale lembrar que microbioma humano é a soma de todos os microrganismos que residem nos tecidos e fluidos humanos, composto principalmente de bactérias, mas também repleto de fungos e vírus. Cada local anatômico (pele, boca, intestino, vagina etc.) possui seu microbioma específico. Porém, sabe-se que muitos desses microrganismos podem ser encontrados em mais de um local anatômico.

Algumas espécies de vírus e fungos, bem como microrganismos do trato respiratório associados a doenças, foram identificadas pela arqueologia, tanto em biofilmes calcificados (cálculo) de nossos ancestrais como em biofilmes mineralizados encontrados em indivíduos da nossa era atual. Diferentes estratégias mais modernas de sequenciamento de DNA têm sido aplicadas ao cálculo dental encontrado em fósseis. Estas descobertas descreveram imensas possibilidades para que o cálculo dental seja uma importante fonte natural para novos achados em pesquisas biomédicas.

Além disso, na estrutura do cálculo, observa-se a presença de massas calcificadas com aparência esponjosa, contendo espaços vazios que seriam os antigos locais onde habitavam organismos que foram degenerados. Também encontram-se buracos tubulares que parecem ser áreas de bactérias não mineralizadas cercadas por uma matriz calcificada. Finalmente, também foram observadas áreas onde as bactérias foram calcificadas, mas cercadas por um espaço não mineralizado. Desta forma, o cálculo dental acaba sendo um museu arqueológico com informações precisas de nossos ancestrais, incluindo seus hábitos alimentares e características genéticas.

Investigações modernas da microbiota humana nativa demonstraram que o microbioma humano desempenha um papel central na saúde geral e nas doenças crônicas. Estas pesquisas vêm levantando questões sobre mudanças na ecologia microbiana, diversidade e função ao longo do curso da evolução humana. Isto ocorre porque o cálculo dental mostra-se abundante e praticamente onipresente nos achados arqueológicos humanos. Ele representa um reservatório de longo prazo do microbioma oral antigo de nossos ancestrais, preservando não apenas as biomoléculas microbianas e hospedeiras, mas também os restos alimentares e ambientais.

O biofilme dental não mineralizado retém partículas da cavidade oral preservando o seu DNA, incluindo grandes quantidades de bactérias orais, proteínas humanas, vírus e restos de alimentos. O processo de calcificação segue vários mecanismos de mineralização, onde o biofilme bacteriano (abrangendo mais de 800 espécies bacterianas, que podem ser identificadas na saliva) é aprisionado nos depósitos mineralizados com sais minerais de fosfato de cálcio. Esta calcificação do biofilme junto aos nossos dentes é o que possibilitou a permanência do cálculo nos fósseis dos nossos ancestrais e o que hoje nos abre todas estas possibilidades de pesquisas.

Assim, os estudos de biofilmes mineralizados ou fossilizados antigos podem fornecer informações sobre fatores de virulência bacteriana, proteínas de defesa do hospedeiro e o desenvolvimento de doenças da nossa civilização que são enfrentadas atualmente. Estes estudos poderão, em um curto espaço de tempo, oferecer respostas e, por que não dizer, até curas para muitas doenças, pois o estudo do DNA do cálculo pode trazer informações relevantes sobre como as defesas do hospedeiro agiam e quais os padrões de dieta que influenciavam nestas respostas. Obviamente, estes estudos não são tão simples de serem realizados, mas certamente estão cada vez mais palpáveis, haja vista a evolução tecnológica que vivemos nos nossos dias atuais.

Referências

  1. Akcalı A, Lang Dental calculus: the calcified biofilm and its role in disease development. Periodontol 2000 2018;76(1):109-15.
  2. Weyrich LS, Dobney K, Cooper A. Ancient DNA analysis of dental calculus. J Hum Evol 2015:79:119-24.
  3. De La Fuente C, Flores S, Moraga M. DNA from human ancient bacteria: a novel source of genetic evidence from archaeological dental calculus. Archaeometry 2012;55:767-78.

“E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada no tempo vindouro.” (Romanos 8:17,18)

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