Como atender normalmente em meio à pandemia?

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Marco Bianchini faz uma reflexão sobre o momento difícil que a pandemia de Covid-19 impõe à Odontologia, no Brasil e no mundo.
Data de publicação: 14/08/2020

A missão de continuarmos a exercer nossas atividades profissionais normalmente, em meio a esta pandemia de Covid-19, está cada vez mais difícil de ser cumprida. Não é nada animador levantar da cama todos os dias para ir trabalhar (isso para aqueles que estão conseguindo ir trabalhar) e se deparar com as notícias de doentes graves ou mortes que continuam ocorrendo pelo Brasil afora. É preciso uma força espiritual muito grande, para que não sejamos abatidos pelos efeitos desta pandemia.

Não há como ficar insensível com a dor dos outros. Mesmo que não tenhamos nenhuma pessoa próxima a nós atingida pela Covid-19, ou as pessoas que conhecemos tenham tido sintomas leves e se recuperado bem (o que representa a grande maioria), é impossível não se sensibilizar com os grupos de risco, que estão sofrendo as maiores consequências da doença, com sintomas graves e óbitos. Não há o que comemorar e tampouco se alegrar com esta doença maldita, que ainda está percorrendo o seu curso pandêmico, comum a toda e qualquer epidemia.

Estamos vivendo este horror há cinco meses. Foi tempo suficiente para que a doença chegasse às portas de todos nós. É difícil conhecer alguém que não relate um caso de algum parente ou amigo que contraiu a Covid-19. Praticamente quase todos os nossos pacientes, parentes e amigos já tiveram algum caso na família. Alguns leves, outros mais graves e outros, ainda, que levaram ao óbito entes queridos e amigos. Assim, seja qual for a nossa linha de enfrentamento desta pandemia, uma coisa é certa: não há como não sentir a dor dos outros, pois ela está batendo em nossa porta.

As minhas experiências mais dolorosas com esta doença foram com algumas mães de amigos meus, que se foram devido a este coronavírus. A maioria delas já passava dos 80 anos, mas vivia relativamente bem, levando-se em consideração a idade avançada que já tinham. Contudo, se não fosse esta doença, certamente viveriam mais alguns anos. É muito difícil perder qualquer pessoa sabendo que ela poderia viver mais, caso não tivesse contraído a doença. Mesmo os muito idosos, com 90 anos ou mais, têm o pleno direito de viver. Assistir à dor dos amigos, de ver seus pais indo embora sem ao menos poder se despedir adequadamente, é de despedaçar o coração.

Em meio a este caos instalado no mundo todo, o comportamento mais peculiar dos seres humanos é achar um ou alguns culpados e descarregar toda a nossa indignação nestes supostos responsáveis pela doença. Eu mesmo, eventualmente, me pego fazendo isso. Vou logo elegendo aqueles que eu acho que são os grandes responsáveis e destilo a minha revolta contra eles. Principalmente aqueles que pensam diferente de mim, em relação a esta doença. Infelizmente, nós temos o péssimo hábito de escolher heróis e vilões de acordo com as nossas necessidades e interesses próprios. Uma lamentável postura, mas bastante comum na nossa espécie.

Entretanto, temos que continuar vivendo! Não há outra saída. Precisamos continuar exercendo nossas atividades, respeitando as normas de prevenção e distanciamento social, mas precisamos enfrentar a doença. As críticas e o debate aberto também são extremamente necessários a fim de se achar um caminho melhor para o enfrentamento da doença, enquanto a cura não chega. Existem muitas pessoas sérias e abnegadas trabalhando forte contra o vírus, procurando tratar os doentes adequadamente, além de prestar assistência àqueles que não contraíram o vírus, mas sentem os seus efeitos colaterais econômicos que também matam. Infelizmente, estas pessoas são pouco valorizadas.

Não vou usar este espaço para defender o meu ponto de vista sobre isolamento social, políticas públicas, tratamentos precoces etc. Acredito que as informações sobre estes temas estão disponíveis em grande escala e cabe a cada um de nós escolher, sem paixões políticas, o que é melhor para nós, nossos familiares e nossos pacientes. Porém, de uma coisa eu tenho plena convicção: subir em cima de cadáveres, como se fossem palanques, quase que comemorando o número de mortos é uma atitude desprezível, que mostra a fraqueza de caráter de muitos políticos, jornalistas e autoridades públicas em geral.

Como cirurgiões-dentistas, temos a forte obrigação de continuar promovendo a saúde de nossos pacientes e da população em geral. Somos profissionais da saúde e não podemos nos esconder na psicose do #fiqueemcasa. É preciso atender os pacientes que necessitam de tratamento odontológico, a fim de que estes não tenham as suas comorbidades aumentadas.

É nosso dever instruir os pacientes para que não deixem suas doenças se agravarem, sejam estas de cunho odontológico ou não. É nosso maior dever, ainda, orientar as pessoas sobre as condutas com a doença, dentro da linha que aceitamos ser a mais correta (pois existem muitas). A nossa omissão e aceitação, de forma pacata, à ordem de muitos abutres que sobrevoam o País neste momento tão grave pode contribuir seriamente para a transformação do “fique em casa” para o “fique em casa e morra” …por outras doenças.

“Não estejais inquietos por coisa alguma; antes os vossos pedidos sejam em tudo conhecidos diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus. Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é honroso, tudo que há alguma virtude e tudo que há algum louvor.” (Filipenses 4,6-8)

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