Dilemas digitais na Odontologia: ainda há espaço para métodos tradicionais?

digitais na Odontologia
Marco Bianchini compartilha post de rede social e reflete sobre a atuação dos cirurgiões-dentistas e o uso das ferramentas digitais na Odontologia.

Na semana passada, eu compartilhei um post muito bem humorado da página @oclupro, do meu amigo Dr. Roberto Ramos Garanhani, que se intitula um analogic influencer idoso. Roberto Garanhani, assim como eu, já entrou na faixa etária de quem tem mais de 30 anos de mocho e, sendo assim, carrega nos ombros a velha Odontologia de colocar a mão na boca dos pacientes. “Dinossauros”, como nós, se apegam mais em realmente tratar as doenças bucais, como desordens de ATM, periodontites e, pasmem, até mesmo uma cárie. Abaixo, a foto do post para nos aprofundarmos no assunto dos dilemas digitais na Odontologia.

Confesso que poucas vezes na minha vida dei tantas gargalhadas após ver uma postagem. A foto fala por si, conseguindo retratar em detalhes o momento atual que vivemos na Odontologia, com o mundo das redes sociais e das tecnologias digitais invadindo os nossos consultórios. O olhar sublime dos indivíduos da foto, quase que aristocráticos, com expressões que vão desde um misto de indiferença e desprezo até um certo nojo, me fez imaginar se é exatamente assim mesmo que as novas gerações estão sendo treinadas para enfrentar uma cárie ou qualquer outro problema básico bucal que os nossos pacientes ainda apresentam.

O mundo digital veio para ficar e, sem sombra de dúvidas, facilita as nossas vidas no dia a dia dos atendimentos clínicos. Os planejamentos ficaram melhores, os diagnósticos estão mais precisos e as taxas de sucesso de nossas abordagens tendem a aumentar se usarmos corretamente todas as ferramentas digitais que estão disponíveis atualmente. Contudo, por mais que façamos uso dos processos digitais, sejam eles uma simples tomografia ou um escaneamento digital, ainda teremos que colocar a mão na boca dos nossos pacientes para executar o tratamento.

A Odontologia é uma profissão que exige – e exigirá ainda por muito tempo – uma certa habilidade manual. Não há como fugirmos disso. O clínico sabe que vai ter que botar a mão na boca dos seus pacientes, mais cedo ou mais tarde. Nossos clientes nos procuram para que um atendimento odontológico seja realizado, não há como fugir disso e nem adiar por muitos dias. O problema precisa ser resolvido e, muitas vezes, isso pode ser feito da maneira mais tradicional, sem maiores delongas. É preciso tratar, atender, drenar, extirpar, raspar, polir, apertar, condicionar, manipular etc.

O que acontece hoje em dia é que o atendimento inicial básico vem sendo postergado sem necessidade, em função da digitalização. Na euforia de se adentrar no maravilhoso mundo das imagens virtuais, os dentistas passam mais tempo mostrando imagens no computador para os seus pacientes do que no atendimento propriamente dito. Não se pode adiar um atendimento que parece óbvio e que vai resolver logo a queixa principal do paciente em razão da formatação de processos digitais na Odontologia.

Vale lembrar que as formas convencionais de atendimento ainda funcionam muito bem e podem continuar sendo usadas. Ainda não virou pecado fazer uma moldagem convencional, com os tradicionais materiais de moldagem ou uma incisão com rebatimento de um retalho. Escaneamentos digitais e cirurgias guiadas são excelentes e talvez venham a dominar quase todos os casos, no entanto os métodos tradicionais não podem ser desprezados totalmente, sob pena de levarmos a nossa profissão para um patamar demasiadamente virtual.

Sei que muitos vão classificar este texto como “coisa de dentistas velhos”, que não querem se atualizar ou que não aceitam as modernidades. Porém, enquanto escrevo – ou, melhor dizendo, digito – estas palavras, fico cada vez mais certo de que não se trata disso. O que eu vejo a cada dia são pacientes e mais pacientes que chegam na minha clínica reclamando de colegas que ficaram tirando fotos e fazendo exames, e não dão início ao tratamento. São verdadeiros voyeurs da Odontologia, que vão continuar se assustando quando se depararem com uma cárie, um cálculo ou um abscesso para drenar.

“Porém, irmãos, exortamos vocês a que progridam cada vez mais e se empenhem por viver tranquilamente, cuidar do que é de vocês e trabalhar com as próprias mãos, como ordenamos, para que vocês vivam com dignidade à vista dos de fora, e não venham a precisar de nada.” (1 Tessalonicenses 4:10-12)

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