Quando o cirurgião-dentista vira paciente

Sendo todos nós da área da Saúde, uma das experiências mais interessantes que podemos passar é quando viramos pacientes. Seja na cadeira de um cirurgião-dentista ou de qualquer outro profissional da Saúde, quando passamos para o outro lado do balcão temos um entendimento muito maior das aspirações e angústias que os nossos clientes apresentam.

Estou hoje aqui escrevendo esta coluna há exatamente dois dias de um procedimento cirúrgico feito por vídeo na minha coluna vertebral. Não é novidade nenhuma que nós, cirurgiões-dentistas, desenvolvemos frequentemente problemas na coluna. Nossa posição de trabalho compromete sistematicamente esta parte do nosso corpo. E eu, assim como muitos outros colegas, faço parte dessa gama de problemáticos lombares.

Na verdade, eu fiz a minha primeira cirurgia na coluna há 20 anos, uma artrodese das vértebras L3 e L4. Meus problemas não foram oriundos apenas da profissão. Como joguei muito futebol de salão, na época do piso de “taco” e da bola pesada, quando era proibido fazer gol dentro da área, o massacre nas articulações era terrível. Associe-se a isso as mazelas da nossa profissão e está montada a tempestade perfeita para problemas na coluna.

O mais incrível de tudo é que quando eu me submeti a primeira cirurgia, há 20 anos, e que foi uma cirurgia invasiva com incisões tradicionais, eu me comportei muito melhor do que estou me comportando agora. Naquela época, eu segui à risca todas as orientações médicas do pós-operatório. Fiz religiosamente os repousos e fisioterapias indicadas. Como resultado, em seis meses, eu estava jogando futebol novamente e, durante dez anos, meus sintomas de dor praticamente desapareceram.

Obviamente que o tempo vai passando e o prazo de validade das cirurgias também. Assim, depois de 20 anos, acabei desenvolvendo uma compressão no ciático nas vértebras superiores àquelas que eu já havia operado. O tratamento cirúrgico proposto foi uma intervenção direta nas vértebras lesionadas, através de um acesso pro vídeo, a fim de abrir um espaço para que o nervo ciático fosse descomprimido.

Fui para cirurgia bastante animado, só de pensar que não haveria aquela dor nas minhas costas, pois a cirurgia por vídeo é minimamente invasiva. Acreditei que seria tudo muito mais fácil e de rápida recuperação, mesmo o meu médico (que foi o mesmo que me operou há 20 anos) tendo me falado que eu necessitaria de um repouso tradicional pós-cirúrgico. Esta minha animação pela cirurgia de vídeo foi a minha maior inimiga nos cuidados pós-operatórios.

Fiquei um dia internado e recebi alta. Durante a internação, me espantou a quantidade de analgésicos que me foram ministrados pela via venosa. Sem falar no corticoide e no antibiótico. Isso já era um belo sinal da dor que me aguardava nos próximos dias. De qualquer forma, passei bem o dia do pós-operatório e recebi alta. Aí começaram os problemas. Eu estava liberado para pequenas caminhadas e não precisava fazer repouso absoluto. Como moro perto do meu trabalho, resolvi dar uma passadinha para ver alguns pacientes e atender alguns alunos. Foi o que bastou para, na volta deste percurso, eu sentir uma dor tão forte, que tive que parar umas dez vezes para respirar. Os analgésicos que tomei via oral não fizeram efeito e, quando cheguei em casa, eu tive que me deitar para que a dor aliviasse.

Claro que liguei para o meu médico e tomei uma bronca daquelas. Me vi falando com os meus pacientes que não seguem as minhas prescrições. Além disso, tomei mais broncas dos meus filhos, das minhas colaboradoras, dos meus alunos e de todos que me encontravam. Mas a fala do meu médico foi a melhor de todas: “Bianchini, o repouso não é só físico, você tem que relaxar a mente. O fato de ficar sentadinho na sua sala de trabalho, não lhe tira os incômodos do seu dia a dia. É preciso quebrar a rotina e descansar de tudo, caso contrário você vai ter complicações”, explanou.

Mesmo depois de 32 anos de formado, e trabalhando na maior parte dos dias com cirurgias, nunca tinha ouvido uma colocação tão sensata. Atualmente, pelo fato de estarmos sempre conectados, achamos que ficando em casa, na cama, podemos trabalhar normalmente, desde que respeitemos o descanso físico. Ledo engano. A mente ocupada com o trabalho compromete muito mais a paz de espírito, liberando muito cortisol, aumentado o estresse e não permitindo que o corpo se concentre na reparação da área operada.

Por fim, tive que colocar o meu rabinho entre as pernas, me desculpar com o médico e com as pessoas que me cercam, a fim de não prejudicar ainda mais a minha recuperação, que vai acabar também prejudicando as pessoas que dependem de mim. Contudo, esta experiência me fez enxergar o que muitos dos nossos pacientes sentem quando eles não conseguem parar. Nós, implantodontistas, cobramos muito o repouso e os cuidados pós-operatórios. Porém, a vida agitada da atual geração e os procedimentos ditos menos invasivos podem mascarar problemas que estão diretamente relacionados a um pós-operatório mal feito.

“Falou Daniel, dizendo: Seja bendito o nome de Deus de eternidade a eternidade, porque dele são a sabedoria e a força; E ele muda os tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis; ele dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos. Ele revela o profundo e o escondido; conhece o que está em trevas, e com ele mora a luz.” (Daniel 2:20-22)

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