No último dia 07 de fevereiro, eu completei 55 anos de idade. Graças a Deus, ainda com muita saúde. Recebi inúmeras mensagens de felicitações através das redes sociais e poucos telefonemas ou abraços ao vivo. É o mundo virtual substituindo o real, onde tínhamos o toque corporal pra valer. Não acho isso de todo ruim, pois nas mensagens o povo se solta mais para fazer elogios e inflar a nossa autoestima. Não há quem não se sinta bem no dia do aniversário, recebendo tantas vibrações positivas. Porém, isso pode ser um pouco perigoso se realmente acreditamos que somos tão bonzinhos assim.
Depois de ler e curtir todas as mensagens, eu fiquei refletindo sobre todos os elogios que recebi. Obviamente que as pessoas estão querendo ser gentis, mandando votos educados de saúde, prosperidade, felicidade, alegria etc. Ninguém tem coragem de dizer para você, no dia do seu aniversário, alguma palavra mais dura, do tipo: “Olha Bianchini, meus parabéns, muitas felicidades, você é um cara legal, mas precisa melhorara bastante nisso e mais nisso e mais naquilo”. Desta forma, se não tomarmos cuidado, vamos achando que estamos mesmo próximos da perfeição.
Pensando nesse positivismo exagerado, não tive como não fazer uma comparação com a nossa atividade odontológica. Comecei a me lembrar dos meus casos, que são sempre elogiados pela minha secretária e pelos meus pacientes. A cada caso concluído – e a cada elogio recebido – , eu vou insuflando mais o meu ego e fazendo vista grossa para os meus erros. Na medida em que o tempo vai passando, estes elogios vão mascarando a minha autocrítica e os meus olhos vão ficando “anuviados” pelo suposto sucesso.
Os pacientes, em sua grande maioria, não têm muito conhecimento para identificar erros. Estando eles sem dor ou desconforto, e com a estética resolvida, já traduzem isso como sucesso e nos rasgam elogios. Nossas secretárias sempre encontram argumentos para algum caso que poderia ter ficado melhor. Dizem elas: “Também, doutor, esse paciente não ajuda, nós fizemos o que foi possível”. E assim seguimos no alargamento do nosso ego e na repressão da nossa autocrítica. Um perigoso jogo que pode nos levar a acreditar realmente que o insucesso é, na verdade, um sucesso, pois há quem tenha gostado.
Foi exatamente assim que eu me senti ao final do dia 07 de fevereiro, após ler tantos elogios. Pensei eu: “Poxa, até que eu sou cara legal mesmo! As pessoas realmente gostam de mim. Olha só quantas mensagens enaltecendo meus pontos fortes. Ninguém falou nada do meu temperamento agressivo, da ansiedade persistente, da mania de mandar em tudo e em todos, da cobrança exagerada de resultados etc. Acho que eu devo estar melhorando mesmo e estas coisas devem estar desaparecendo.”
Levando estas constatações para um caso clínico na Implantodontia, poderíamos fazer a seguinte versão: “Realmente este caso ficou muito bom! Apesar da proximidade exagerada dos implantes, que poderá ocasionar uma peri-implantite, a estética ficou perfeita e o paciente foi bem orientado a higienizar esta área.” Ou ainda: “consegui fazer uma prótese protocolo fixa sobre implantes para o paciente, evitando que ele voltasse a usar uma dentadura móvel. Apesar do volume labial ter ficado deficiente e a higiene bem difícil, mas vou compensar estes problemas com controles de biofilme trimestrais.”
Com 55 anos, sendo 32 de consultório, começo a ter uma visão diferente, tanto da vida quanto da Odontologia. Após mais de meio século de existência, é impossível não enxergarmos nossas limitações. Isto só ocorre quando não queremos mesmo ver os nossos erros e seguimos cometendo as mesmas falhas, como se isto fizesse parte das nossas vidas e fosse absolutamente normal. Com a falsa ideia do “ser feliz é o que importa”, criou-se um mundo da fantasia, em que não se pode mais criticar ou se declarar incapaz para fazer determinadas coisas.
Acredito que o segredo para uma versão 5.5 melhor é realmente saber dizer “não” a nós mesmos. Temos que nos negar diariamente a fim de não cairmos na armadilha do ego ou do narcisismo. Seja na vida pessoal ou na nossa atividade profissional diária como cirurgiões-dentistas, devemos sempre focar na humildade, percebendo as nossas limitações. Não devemos fazer alguns casos clínicos, e o melhor caminho é indicar para alguém mais capacitado. Na vida, uma esposa, filhos ou pais que verdadeiramente nos amam, saberão nos corrigir quando estivermos vivendo uma fantasia egocêntrica.
Jesus dizia a todos: — Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; e quem perder a vida por minha causa, esse a salvará. De que adianta uma pessoa ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou causar dano a si mesma? (Lucas 9:23-25)
Marco Bianchini
Professor titular das disciplinas de Periodontia e Implantodontia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | Facebook: bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia