Dentistas do outro lado do balcão: qual imagem você transmite?

Marco Bianchini relata experiência como paciente e faz uma importante reflexão sobre o comportamento do profissional ao iniciar um tratamento.

Quando nós, cirurgiões-dentistas, nos tornamos clientes, alguns fenômenos interessantes acontecem conosco e um aprendizado muito importante pode resultar desta experiência. O fato de necessitarmos de tratamento médico ou odontológico nos coloca na mesma posição de nossos pacientes e, assim, passamos a enxergar a situação com os olhos deles, e não mais com os olhos de quem vai realizar o serviço. Esta mudança de posicionamento do balcão muda tudo, já que sentimos na pele que teremos que arcar com as consequências de nossas decisões.

Na semana passada, vivi intensamente esta experiência quando consultei meu ortopedista por conta de um novo problema em meus joelhos. Já faz muito tempo que convivo com dores nos joelhos e, há 13 anos, fiz a minha primeira cirurgia para tratar da degeneração dos meniscos. De lá para cá foram quatro cirurgias por vídeo (duas em cada joelho) com dois médicos diferentes. Os resultados finais destes procedimentos cirúrgicos foram satisfatórios, pois pude voltar a realizar atividades físicas intensas sem muitas dores. Isto durou aproximadamente cinco anos e, depois deste período, as dores e os edemas foram voltando.

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Ao examinar a ressonância magnética dos meus joelhos, o meu médico identificou mais alguns problemas e me propôs uma intervenção um pouco diferente das outras que ele já havia realizado. Eu estava preparado para me submeter a mais uma cirurgia de vídeo para ir “limpando” a área dos meus meniscos que, provavelmente, se degeneraram mais um pouco. Entretanto, o meu médico foi por outro caminho, me oferecendo outro tipo de tratamento que ele vem fazendo nos seus casos mais recentes e obtendo excelentes resultados.

Durante a explicação deste “novo” procedimento, eu pude notar uma empolgação e um brilho no olhar do meu ortopedista. Eu vi que ele estava ansioso e até mesmo entusiasmado para realizar a técnica. Pensei comigo mesmo: “eu conheço esse brilho no olhar, eu conheço essa expressão facial de empolgação, eu conheço essa vontade de realizar a técnica. São as mesmas reações que eu tenho com os meus pacientes, quando aparece alguma terapia nova que eu quero logo colocar em prática”. Porém, eu precisava identificar nele se esta empolgação toda era para me curar ou somente para realizar a técnica e ter mais uma satisfação pessoal.

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Esta reflexão sobre o comportamento do meu médico me fez reportar aos meus atendimentos. O que realmente estou transmitindo aos meus clientes? Uma vontade de resolver o problema deles ou uma imensa necessidade de realizar um procedimento? Sabemos que é lícito ao profissional querer realizar novas técnicas que já foram devidamente comprovadas de alguma forma na literatura. Porém, esta vontade de fazer a cirurgia não deve se sobrepor à queixa principal do paciente, bem como a decisão sobre o tratamento que estamos oferecendo. Cabe ao paciente a decisão final de autorizar ou não o tratamento.

Assim, quando passamos para o outro lado do balcão, uma luz vermelha acende em nossas consciências. Todo aquele discurso de conhecimento técnico e científico acaba ficando de lado, dando lugar às angústias naturais de um paciente. A razão é deixada de lado e as emoções parecem nos dominar. Lembro-me bem quando vivi a experiência de decidir por realizar ou não uma endodontia em meu dente 26. Confesso a vocês que fui muito conservador, adiei ao máximo o procedimento, achando que a pulpite iria reverter. Doce ilusão. Eu estava cego por se tratar de um dente meu. A endodontia foi inevitável e eu ainda passei por mais um episódio de dor.

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Virar clientes e passar para o outro lado do balcão é uma situação que acontece com frequência em nossas vidas. Somos seres humanos que precisam de atendimento nas mais diversas áreas médicas, a fim de cuidarmos da nossa saúde. Assim, estamos frequentemente consultando colegas da área da saúde, sejam eles cirurgiões-dentistas, médicos, fisioterapeutas ou especialistas de outra área. Este exercício natural de virarmos pacientes nos faz refletir sobre os nossos comportamentos e decisões quando estamos atendendo os pacientes. Porém, também nos faz identificar nos colegas que estão nos atendendo qual a conduta que eles estão tendo em relação a nós que, agora, viramos pacientes e estamos do outro lado do balcão.

“No suor do seu rosto você comerá o seu pão até que volte à terra, pois dela você foi formado; porque você é pó, e ao pó voltará.” (Gênesis 3:19)

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